A sangrenta repressão patrocinada pela ditadura militar argentina tem feridas abertas que seguem ardendo. O cineasta Benjamín Ávila foi testemunha dessa violência quando criança, experiência que ele compartilha de forma catártica em Infância Clandestina, longa-metragem que entra em cartaz nesta sexta-feira na Capital.
Exibido em Porto Alegre na recente Seleção de Filmes, Infância Clandestina é o representante da Argentina na busca por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O protagonista da história é Juan (vivido por Teo Gutierrez Romero), garoto de 12 anos que é filho de militantes do grupo de guerrilha armada Monteneros. Após sair da Argentina na eclosão do golpe militar, em 1976, a família retorna clandestinamente a seu país em 1979.
A casa em que vivem, sob a fachada de uma pequena fábrica de doces, é base de operações para a quixotesca contraofensiva guerrilheira. Ao lado do pai (o ator uruguaio Cesar Troncoso), da mãe (Natalia Oreiro), do tio (Ernesto Alterio) e da irmãzinha, Juan tenta levar uma vida normal, frequentando a escola e passando pela inquietude de uma primeira paixão. Esse olhar infantil sobre um tema grave imprime ao filme doses de romance e humor.
- Falo de experiências que vivi entre meus quatro e sete anos - disse Ávila a Zero Hora. - Minha mãe fazia parte dessa organização e vivemos na clandestinidade. Mas não é uma autobiografia, pois tem personagens e situações diferentes. A partir da minha vivência, conto a história de muitos outros, sobretudo as de filhos de militantes mortos ou desaparecidos. Muitas dessas crianças até hoje têm paradeiro desconhecido. Quanto ao humor, essa era também a realidade naquela situação. Em meio ao pânico, se vivia também um cotidiano de alegrias.
Na versão real do drama, o bebê tomado pelos militares foi o irmão do diretor, localizado pela avó deles cinco anos depois em 1984. Ávila começou a tratar deste tema no documentário Nietos (2004), focado na busca das Avós da Praça de Maio por crianças desaparecidas durante a ditadura, muitas adotadas ilegalmente dentro e fora da Argentina.
Quando dava aulas na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba, Ávila conheceu o estudante brasileiro Marcelo Müller, que roteirizou o curta de ficção Veo Veo (2011), no qual o diretor antecipou a história que contaria em Infância Clandestina. Müller ajudou a fazer a ponte com a produtora paulista Academia de Filmes, viabilizando a coprodução binacional do longa, do qual é coroteirista com Benjamín. Outro brasileiro na equipe é o montador Gustavo Giani.
Na última terça-feira, Infância Clandestina consagrou-se na cerimônia da Academia Argentina de Cinema com 10 prêmios, entre eles os de melhor filme, direção, atriz, ator e roteiro. O longa teve uma boa recepção de crítica e público na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, é sucesso de público em seu país e tem como produtor Luis Puenzo, ganhador do Oscar de filme estrangeiro com A História Oficial.
Apesar dessas credenciais, e do fato de Infância Clandestina tratar de um tema caro à Academia de Hollywood, Ávila não alimenta expectativas para concorrer à estatueta. Os cinco indicados, entre produções de 71 países inscritas, serão anunciados em 10 de janeiro:
- Não penso nisso. Se vier, vamos comemorar muito, como temos comemorado todos as conquistas que o filme já obteve.