Deveria ser o maior hospital da América Latina - mas o enorme edifício na periferia de Buenos Aires jamais foi concluído, ganhando o apelido de "Elefante Branco". Esse projeto grandiloquente inacabado serve de metáfora para o abandono social no contundente filme que reúne dois grandes talentos do cinema argentino: o diretor Pablo Trapero e o ator Ricardo Darín.
Exibido no Festival de Cannes deste ano na mostra paralela Un Certain Regard, Elefante Branco (2012) junta outra vez Trapero e Darín, repetindo a parceria de Abutres (2010). No drama que entra em cartaz nesta sexta-feira (2/11) na Capital, o cineasta volta a acumular funções: o realizador também assina o roteiro, a produção e a montagem. Um dos nomes de maior projeção internacional do cinema da Argentina, Trapero consegue conciliar em seus trabalhos o sucesso de público e a admiração da crítica.
Em Elefante Branco, ele se debruça novamente sobre personagens e ambientes à margem da sociedade, voltando sua câmera para a Buenos Aires dos subúrbios - cenário de seus dois primeiros longas de ficção, os elogiados Mundo Grua (1999) e Do Outro Lado da Lei (2002).
As cenas iniciais de Elefante Branco mostram primeiramente Julián (Darín) deitado em uma maca, submetendo-se a uma tomografia, depois Nicolás (Jérémie Renier) escondendo-se do que mais tarde ficamos sabendo tratar-se de um massacre de camponeses na Amazônia. Ambos são padres engajados em movimentos sociais, amigos de longa data, e Julián vai até a selva para convencer Nicolás a auxiliá-lo em seu trabalho junto à comunidade carente de Ciudad Oculta - favela portenha que desde meados da década de 1940 cresce ao redor do "Elefante Branco".
Enquanto os sacerdotes alternam-se entre os deveres religiosos e a organização comunitária para enfrentar problemas - como a liberação de recursos públicos para a construção de moradias e a guerra entre os traficantes locais -, Nicolás começa a se envolver com a bela assistente social Luciana (Martina Gusman, mulher de Trapero e atriz de seus filmes Leonera e Abutres). À medida que a tensão cresce no assentamento, piora a saúde de Julián - que esconde de todos a doença e a intenção de deixar o comando da paróquia para o colega belga.
Como é praxe nos filmes de Trapero, a fotografia de Elefante Branco é, ao mesmo tempo, realista e expressiva - potencializada desta vez por virtuosos planos-sequência em que a câmera segue os personagens pelos andares semiabandonados do hospital e pelas estreitas ruelas da favela, lembrando visualmente o brasileiro Cidade de Deus (2002). A alma de Elefante Branco, porém, está mesmo nas ótimas atuações do elenco - outra característica do cinema do diretor argentino. Destacam-se em cena o belga Jérémie Renier, ator de dramas dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne como A Criança (2005) e O Silêncio de Lorna (2008), e o sempre excepcional Ricardo Darín - o olhar cansado que o astro de O Segredo dos seus Olhos (2009) empresta a seu abnegado personagem expressa o desamparo de quem foi esquecido por Deus e pelos homens.
ELEFANTE BRANCO
(Elefante Blanco)
De Pablo Trapero. Com Ricardo Darín, Martina Gusman e Jérémie Renier.
Drama, Argentina, 2012. Duração: 110 minutos. Classificação: 16 anos.
Cotação: 4 de 5