Em um cenário mínimo, um homem divide o espaço com uma cadeira e com uma multidão de sentimentos conflitantes: medo, culpa, raiva, perplexidade, tentando
retirar deles algo que possa ser chamado de amor. É esse o ponto de partida para a
peça O Filho Eterno, monólogo estrelado por Charles Fricks e produzido pela companhia carioca Atores de Laura, que terá sessões de domingo (09/08) até o dia 11/08, no Teatro do Sesc (Av. Alberto Bins, 665).
A peça é uma adaptação para o palco de um dos romances brasileiros mais populares e impactantes da última década (leia mais ao lado). Partindo de um episódio autobiográfico, Cristóvão Tezza narra o difícil processo de aceitação de um pai ao ter um filho com Síndrome de Down. O texto foi adaptado para o teatro por Bruno Lara Resende, que precisou selecionar o que pretendia transplantar para a cena.
- Essa decisão artística inicial foi a principal do processo: o recorte do livro, qual o tema que a gente vai abordar, já que o livro inteiro não caberia numa peça? Optamos então por eleger como recorte o ponto central do livro: a relação entre o pai e o filho, tirando quase toda a parte na qual o pai conta sua história anterior ao nascimento da
criança - diz o diretor da peça, Daniel Herz, em entrevista por telefone.
O romance O Filho Eterno tira sua grande força de uma voz narrativa brilhante ao analisar com crueza, honestidade e às vezes até uma certa crueldade os mais íntimos pensamentos com que o pai se debate na luta pela aceitação do filho. Nunca nada é tão bonito ou edulcorado como nos filmes para TV: o pai tropeça a todo momento na construção de seu afeto vacilante pelo filho que jamais será o que ele esperava de uma
criança. A peça traduz essa voz narrativa clínica em uma cenografia minimalista, m que o ator Charles Fricks por vezes contracena com uma cadeira vazia.
- Optamos por só ter duas cadeiras em cena, a do ator e uma outra. Queríamos retirar a expectativa do público de uma cenografia ampla, que enchesse o palco, e nos concentrarmos no essencial: as emoções do personagem, o texto, a força daquelas palavras. Aquela cadeira às vezes vira o filho, vira o próprio homem, queríamos que o público comprasse a briga de enxergar uma presença naquela ausência - comenta Herz.
Tezza, ligado ao teatro na juventude (chegou a morar, como narra em seu livro mais recente, O Espírito da Prosa, em uma comunidade hippie de teatro no interior
do Paraná), aprovou a adaptação e deu liberdade ao grupo para fazer as alterações
que achasse necessárias.
- Ele foi de uma generosidade ímpar. Esteve no ensaio e foi uma emoção incrível. Ele disse uma frase que jamais esqueço:"É incrível assistir à carnalização das palavras que você escreveu."- conta Herz.
A peça estreou no Rio em 2011, fez bem-sucedidas temporadas e ganhou várias indicações aos prêmios Shell, Quem e APTR. Herz foi premiado pela direção com o Orilaxé, concedido pelo grupo cultural AfroReggae. Concebida para marcar os 20 anos dos Atores de Laura,a peça é o primeiro monólogo da companhia - e é creditada como uma produção coletiva.
- A ideia do monólogo em uma companhia é um paradoxo, mas somos um grupo de oito atores, e todos colaboraram para aquela encenação, mesmo sem subir ao palco. Quando o espetáculo termina, há um momento lindo, o Charles olha para a plateia e se apresenta: "Nós somos os atores de Laura"- diz Herz.
Tezza debaterá o livro na Capital
Publicado em 2007,O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza, foi um exemplar raro na literatura brasileira: um livro escrito por um autor de trajetória consolidada e respeitado pela crítica que alcançou sucesso popular e esgotou uma dezena de edições desde seu lançamento. O livro também aliou boas vendas a quase todos os prêmios para os quais foi inscrito: venceu o Zaffari & Bourbon 2009, o Portugal Telecom 2008, o São Paulo de Literatura 2008, o Jabuti 2008, o Bravo! 2008 e o APCA 2007.
O livro também ganhou indicação para as listas de leituras obrigatórias de vários vestibulares - inclusive o da UFRGS. Tezza estará em Porto Alegre na semana que vem para debater seu livro com interessados em prestar o vestibular da universidade. Nos dias 15 e 16 de setembro, sábado e domingo, Tezza falará sobre seu livro dentro do ciclo Leituras Obrigatórias, no Salão São José do Plaza São Rafael (Alberto Bins, 514, Centro). No evento, além de Tezza, professores como Antonio Sanseverino, Altair Martins e Sergius Gonzaga debatem as nove obras da lista de leituras da UFRGS.