Baltimore - Dan Deacon sempre foi fascinado pelo apocalipse e, até pouco tempo atrás, acreditava que o mundo acabaria em dezembro de 2012, quando algumas pessoas creem que termina o calendário maia. Segundo ele, essa crença o tornou apático em relação à política e ao meio ambiente.
Deacon compôs diversas músicas que sugeriam "dançar como se não houvesse amanhã", com batidas frenéticas e sincopadas, letras absurdas e títulos como "Pink Batman" e "Woody Woodpecker".
"Eu costumava pensar que a humanidade já tinha tido sua chance e que agora era a hora de as bactérias tomarem conta do mundo, que era preciso reiniciar o sistema", afirmou com uma gargalhada, sentado em seu estúdio no centro de Baltimore. "Mas percebi que isso era só uma desculpa."
Deacon, que completou 31 anos recentemente, é compositor de música eletrônica minimalista com influências de rock. Ele afirma que começou a se preocupar com o que acontecia com o planeta e com os Estados Unidos. Esse senso de responsabilidade cívica recém-descoberto permeia seu novo disco, "America", lançado recentemente pela Domino Records.
"Faço parte de um sistema que desprezo e odeio, que gostaria que acabasse, mas minha apatia e meu niilismo não mudarão nada", afirmou. "Antes de tudo, precisamos mudar a nós mesmos. Não posso reclamar do fraturamento hidráulico, se ligo o aquecedor quando sinto frio."
"America" não é um disco abertamente político. Não há músicas de protesto, ou canções que falem abertamente sobre o movimento Occupy Wall Street, do qual Deacon era um participante ativo. (Em maio, ele levou milhares de manifestantes para dançar durante uma comício na Union Square, em Manhattan.)
Na verdade, as letras descrevem o conflito de Deacon contra sua própria apatia. Uma das músicas, "True Thrush", fala a respeito de uma alma assombrada pela necessidade de agir de acordo com a sociedade. Outra, chamada "Lots", é um chamado à ação com um ritmo frenético de punk rock: "Só há uma escolha/ Esteja pronto para partir", canta.
A segunda metade do disco é uma suíte de 22 minutos com quatro movimentos a respeito dos Estados Unidos, uma espécie de carta de amor sombria para o país. Ritmos tribais conduzem inebriantes temas em tom maior, inspirados, segundo ele, pelas paisagens que viu enquanto viajava de ônibus de trem. As melodias animadoras se contrapõem à descrição de vales em chamas. O refrão expressa a epifania romântica sobre a pequenez humana frente à natureza: "Nada vive o bastante/ Apenas a terra e o ar".
"A inspiração para as músicas vem do amor e da admiração pela terra", afirmou. "Mas é impossível pensar na terra sem refletir sobre sua história, e isso causa uma mistura de culpa e vergonha."
Amigos afirmam que Deacon está amadurecendo, tanto como pessoa quanto como artista.
"Ele está tentando realizar grandes obras, que ainda serão boas daqui a 20 anos", afirmou Ed Schrader, músico de Baltimore que conhece Deacon há anos. "Não acho que o Dan queria ser o cara dançando com um esqueleto verde em uma festa eletrônica. Ele deseja ser algo que se aproxime de David Byrne e Philip Glass."
Barbudo e gordinho, com óculos de coruja, Deacon chamou a atenção do mundo da música indie em 2007 com o disco "Spiderman of the Rings", lançado pela Carpark, no qual mistura batidas pulsantes com o minimalismo de compositores como Steve Reich e Terry Riley.
O disco destacava hinos dançantes psicodélicos, como "The Chrystal Cat" e "Woody Woodpecker", uma música que utilizava a risada do famoso personagem de desenho animado Pica-Pau em modulações dessincronizadas que formavam densos padrões rítmicos. Na época, afirmou que costumava compor as letras cantando bobagens em cima das músicas que tocava em festas improvisadas e ficou famoso por pedir para que seu público repetisse danças estranhas ou formasse "trenzinhos" na pista.
Mas ele não gostou de ser descrito como animador de festas, e voltou a compor músicas mais vanguardistas no disco seguinte, "Bromst", de 2009. Deacon também se apresentava com uma banda, incluindo instrumentos acústicos em suas composições.
Viajar pela Europa o ensinou a amar o fato de ser americano, depois de anos detestando sua terra natal. Compor a trilha sonora do filme "Twixt", de Francis Ford Coppola, o levou a experimentar uma amplitude mais dinâmica em suas músicas.
"A nuance foi o tema dos últimos anos", afirmou. "Descobri que as coisas não precisavam ser sempre altas e rápidas."
Deacon parou, dando-se conta de como sua afirmação parecia simplista.
"Eu tinha aquelas epifanias incrivelmente simples", afirmou ironicamente. "Tipo: "Uau, sou americano", ou "Dinâmica é o que há!".
Deacon também começou a compor para músicos eruditos contemporâneos e se apaixonou pelo timbre dos instrumentos tradicionais. Em 2011, a orquestra sinfônica Kitchener-Waterloo, de Ontário, no Canadá, apresentou a estreia de suas primeiras composições para orquestra: "Fiddlenist Rim" e "Song of the Winter Solstice". Em Nova York, ele colaborou com o So Percussion, um quarteto do Brooklin, em uma composição para percussão na edição de 2011 do Ecstatic Music Festival.
"Ele está mergulhado no mundo da música de vanguarda e do erudito contemporâneo desde que começou a fazer o tipo de pop eletrônico que faz", afirmou Adam Sliwinski, membro do So Percussion. "Para ele, todos esses elementos são organicamente compatíveis."
As colaborações o persuadiram a utilizar instrumentos acústicos em "America", afirmou. Toda a seção rítmica do disco foi tocada por seres humanos. Metais e cordas realizam boa parte dos temas melódicos, até mesmo os que foram compostos para soar como se fossem eletrônicos.
"Quero compor um álbum que seja primariamente acústico, mas que, ao mesmo tempo, possua as características eletrônicas que me agradam", afirmou.
Deacon cresceu em uma grande família católica da cidade de Babylon, em Nova York, onde seus pais eram donos de uma pequena dedetizadora. Sua mãe morreu de câncer quando ele tinha 17 anos, obrigando seu pai a pedir ajuda do Estado.
"Depois que minha mãe morreu, me desliguei completamente", afirmou. "Não acreditava mais em médicos. Não confiava mais no governo."
Deacon aprendeu a tocar trombone e tuba com a banda do colégio e, mais tarde, foi cantor de um grupo de ska. No Purchase College, da Universidade do Estado de Nova York, estudou composição musical e, depois de formado, mudou-se com um grupo de músicos para Baltimore, onde alugaram um galpão barato e formaram o coletivo de arte Wham City.
Falar com Deacon é como perseguir uma abelha. Sua mente escolhe caminhos bizarros e está sempre pronto a rir de si mesmo. Deacon compartilha muitas das crenças do grupos dos independentes. As eleições não passam de um teatro. Os grandes partidos são praticamente idênticos. Grandes empresas ameaçam a democracia e homogeneízam a cultura.
"Penso que estamos voltando para o tempo dos reis e que seria horrível se isso de fato acontecesse", afirmou. "As empresas são os novos reinos e estão dominando cada vez mais."
Deacon afirmou que faz o possível viver de forma consciente nos dias de hoje. Ele evita comprar roupas feitas em fábricas que exploram mão de obra barata e consome alimentos produzidos na região. Deacon cozinha com os membros de sua banda durante a turnê, utilizando ingredientes comprados em mercados de produtores locais. A turnê é feita em um ônibus escolar modificado para utilizar diesel feito a partir de óleo de cozinha.
"O ônibus não encara bem as subidas, por isso, às vezes pegamos caminhos bem estranhos para evitar estradas inclinadas", afirmou. "Pegamos o nosso óleo na entrada de serviço de restaurantes."
O compositor afirmou que ainda acredita que o fim do mundo possa ocorrer durante sua vida, mas não como consequência de um evento cataclísmico em dezembro deste ano. Segundo ele, a causa mais provável seria uma idade das trevas causada pela lenta degradação ambiental: um mundo parecido com o descrito no romance "A Estrada", de Cormac McCarthy.
"O apocalipse acontece todos os dias", afirmou.