No Festival de Cinema de Gramado o colunista Roger Lerina assistiu a dois longas nacionais que concorrem a Kikitos. Veja a opinião dele:
Super Nada
De Rubens Rewald
Duas frases pronunciadas nas coletivas de imprensa dão as (des)pistas sobre os longas brasileiros exibidos na competição de Gramado neste final de semana. "Pra onde eu vou com filme?", questionou-se diante dos jornalistas o diretor Rubens Rewald a respeito de seu Super Nada (SP), projetado no sábado.
A surpresa e a heterodoxia são realmente duas qualidades do segundo longa do realizador do igualmente instigante Corpo (2007) - ambos codirigidos por Rossana Foglia. A princípio, Super Nada parece ser um drama cômico sobre um versátil ator paulistano que batalha empregando seu talento em diversas atividades - curiosamente, esse argumento lembra o filme carioca Riscado (2011), de Gustavo Pizzi, que no ano passado rendeu o Kikito de melhor atriz para a ótima Karine Teles.
Lá pelas tantas, porém, a história começa a mudar de rumo, a leveza torna-se plúmbea e o filme toma um caminho narrativo inesperado. A relação entre o faz-tudo das artes Guto (Marat Descartes em soberba atuação, já favorito ao prêmio da categoria) e o humorista popular de TV Super Nada (vivido pelo cantor Jair Rodrigues, em uma corajosa e dinâmica performance em cena) oscila da admiração ao confronto - um mesmo movimento pendular de empatia e repulsa que os personagens acabam provocando nos espectadores. Super Nada, o filme, parece tatear em busca de um norte - mas justamente esse caráter errático, que emula a própria instabilidade existencial do protagonista Guto, contribui para o fascínio enigmático da produção.
O humor negro e às vezes nonsense de Super Nada remete ainda às comédias tortas e cáusticas dos irmãos Joel e Ethan Coen. Super Nada destaca-se também pela oportunidade ímpar de ver Jair Rodrigues atuando no cinema - convidado às vésperas do começo das filmagens, o cantor acrescentou às falas suas características gírias, trejeitos e improvisos.
Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now!
De Ninho Moraes e Francisco César Filho
O depoimento que sintetiza o longa brasileiro da competição exibido no domingo foi dado pelo músico André Abujamra: "Eu não sei exatamente que filme nós fizemos". Híbrido de documentário, musical e ficção, Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now! (SP) já anuncia no título suas intenções: os diretores Ninho Moraes e Francisco César Filho estavam mais interessados em investigar a atualidade desse movimento artístico do que em contar como Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros músicos revolucionaram a MPB no final da década de 1960 - tarefa que deve ser cumprida pelo documentário Tropicália, de Marcelo Machado, que tem estreia prevista para setembro.
O eixo de Futuro do Pretérito são as imagens de um show comandado por Abujamra e gravado no célebre Teatro Oficina, em São Paulo. Acompanhado de banda e uma orquestra de câmara, o músico interpreta as canções do seminal disco Tropicália ou Panis et Circensis (1968), ao lado de cantores convidados - inclusive o "pai do axé" Luiz Caldas, que veio a Gramado divulgar o filme.
Os clipes musicais são costurados com comentários de pesquisadores e intelectuais e por textos ditos pelos atores Gero Camilo, Carlos Meceni e Helena Albergaria - as dramatizações confrontam com o presente as questões artísticas, estéticas, comportamentais e ideológicas dos tropicalistas. Um dos destaques dessa abordagem criativa - tropicalista? - do assunto é a presença em cena de Alice Braga, filha do realizador Ninho Moraes: a atriz aparece como uma versão contemporânea e em carne e osso de Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio - quadro do pintor Rubens Gerchman que inspirou Caetano a compor a canção Lindonéia, instigado pela cantora Nara Leão. Alice/Lindonéia surge em fotos projetadas no palco do Oficina, nos muros da cidade e até em uma página pessoal no Facebook.
Futuro do Pretérito inclui ainda uma entrevista e cenas atuais com Gilberto Gil - mas Caetano não fala no filme: segundo Ninho, o compositor baiano já aparece em muitos documentários comentando o período do tropicalismo.