O diretor pernambucano Cláudio Assis costuma causar ainda mais escândalo do que os filmes que assina - o irregular Amarelo Manga (2002), o ótimo Baixio das Bestas (2006) e, agora, A Febre do Rato, que sábado completa quatro fins de semana em pré-estreia em Porto Alegre. Faz parte da proposta: cineasta doidão provoca a tudo e a todos com postura radical transformada em longas que buscam a poesia na violência verbal e no choque visual. Às vezes dá certo. Às vezes, nem tanto. Em um mesmo longa, inclusive.
É o caso de A Febre do Rato, grande vencedor do Festival de Paulínia do ano passado, ocasião em que superou, entre outros concorrentes, O Palhaço, de Selton Mello. No filme, o sempre ótimo Irandhir Santos (o deputado/antagonista de Tropa de Elite 2 e o narrador-protagonista de Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo) interpreta um poeta popular anacrônico, militante do anarquismo e editor de fanzine que sai pelas ruas do Recife gritando seus textos com um megafone enquanto dirige um carro velho. Zizo é o seu nome. "Febre do rato", gíria local recifense para indicar "fora de controle", é como ele batizou o zine.
Zizo prega a libertinagem. Seus poemas, no entanto, têm uma notável doçura - eles revelam o talento superlativo do roteirista Hilton Lacerda, autor de todos os versos recitados. Não é uma contradição: Zizo é um romântico libertário, que defende - e pratica - o sexo livre, sem que isso o impeça de se apaixonar intensamente e tentar, de todas as maneiras, conquistar a estudante Eneida (Nanda Costa).
O relacionamento ideal, ele diz na trama, é aquele que um amigo sensível (Matheus Nachtergaele) mantém com a transexual de tratamento mais rude a quem chama de "macho da minha vida" (Tânia Granussi). A dicotomia regramento versus subversão está na essência de A Febre do Rato, à medida em que o filme narra uma clássica história de amor não realizado (Eneida o admira, mas não cai na lábia do poeta), tão tradicional que é quase careta, mas que se apresenta ao espectador por meio de um discurso completamente desprovido de moral.
A bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho espelha o visual do fanzine revelando Recife às avessas, bem diferente da cidade dos cartões-postais coloridos, bem parecida com o centro urbano pulsante visto nos Super-8 sujos de Paulo Bruscky e no folk rock poético de Chico Science. Há momentos de pura inspiração mais intimistas, como o da conversa de Zizo e Eneida no barco, e verdadeiramente espetaculares, como aquele em que o poeta dá um discurso inflamado conclamando seus seguidores a tirarem a roupa no meio da rua - uma das sequências mais impressionantes do cinema brasileiro recente.
Há, em contrapartida, um certo maneirismo visto em alguns movimentos e angulações de câmera e na própria criação de situações exageradas, que pouco acrescentam à construção dramática ou narrativa. Se antes Cláudio Assis já dava a impressão de forçar a mão para aumentar o impacto daquilo que apresenta, aqui, em determinados momentos, soa repetitivo. Provoca, consequentemente, a sensação de déjà vu, quando não de ter criado algo de certo modo fake.
Para um filme sanguíneo, enérgico, que aposta no risco - algo por princípio interessante -, não se trata de algo definitivamente comprometedor. Com seus defeitos, A Febre do Rato é uma das melhores novidades da temporada no cinema nacional.