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Como uma moda. Ou um amigo. Como uma lembrança antiga. O barulho promovido por Kurt Cobain e sua banda, Nirvana, segue estrondoso após 30 anos. Continua mais pesado que o céu.
Kurt tirou a própria vida em 5 de abril de 1994, aos 27 anos. O vocalista e guitarrista era tido como porta-voz da geração X, símbolo do grunge, com três álbuns de estúdio — Bleach, Nevermind e In Utero —, além da coletânea Incesticide e, postumamente, o MTV Unplugged in New York, e hinos como Smells Like Teen Spirit, Come as You Are, In Bloom, Heart-Shaped Box, About a Girl e tantos outros.
O Nirvana foi formado em 1987, em Aberdeen. Com Dave Grohl (bateria) e Krist Novoselic (baixo) em sua formação clássica, a banda se consagrou com uma sonoridade que transitava pelo punk rock e sludge metal, apresentando letras angustiantes, raivosas, viscerais e sombrias. O grupo se notabilizou por apresentações espontâneas, imprevisíveis e, muitas vezes, destrutivas. Fez tanto sucesso que, para se ter ideia, o segundo disco, Nevermind, chegou a tirar Michael Jackson do topo das paradas.
O jornalista Ricardo Schott, responsável pelo site Pop Fantasma e pelo podcast Pop Fantasma Documento — que conta com um episódio de mais de uma hora sobre o Nirvana —, aponta que a banda ajudou a reinventar o pop por intermédio do barulho e do underground. Ele acrescenta que o grupo colocou imagens e sentimentos estranhos no rock mainstream. Para Schott, o legado do Nirvana e de Kurt se mantém muito vivo na atitude de artistas como Billie Eilish, Lana Del Rey e Boygenius.
— Estas são artistas mulheres. Não podemos esquecer o quanto Kurt foi um cara que falou abertamente, em músicas e entrevistas, sobre temas como machismo e opressão. As mensagens dele foram bem compreendidas — destaca. — Li recentemente uma matéria no The Guardian falando que existem cantoras e compositoras de rock de 20 anos que chegaram às bandas do movimento riot grrl por intermédio do Nirvana, e isso já diz tudo.
Já no começo dos anos 1990, Kurt abordava temas e defendia causas que se amplificaram a partir do século 21. Segundo o músico, quem fosse racista, machista ou homofóbico não deveria comprar os discos do Nirvana.
Carol Govari, professora na Escola da Indústria Criativa da Unisinos e coordenadora do curso de Produção Fonográfica, atesta que o Nirvana tem um papel importantíssimo quando se pensa em questões culturais e identitárias, visto que, mesmo 30 anos após a morte de Kurt, a banda segue tendo um impacto comportamental muito grande na cultura juvenil:
— O inconformismo, a angústia, o descontentamento, a urgência, temas que rodeiam jovens e jovens adultos, e que sempre estiveram presentes nas letras da banda, fazem com que eles ainda representem um safe space ("espaço seguro") para aqueles que se sentem marginalizados ou desiludidos com a cultura dominante.
A explicação de Carol vai ao encontro do pensamento do músico e vendedor Antônio Carlos da Silva Junior, 39 anos, também conhecido como "Kurt". Morador de Porto Alegre, ele canta e toca na banda cover Bleach desde 2000.
— Usamos os mesmos efeitos de guitarra do próprio Kurt, além do figurino marcante e característico — garante. — Muitos dos nossos seguidores falam pra gente que somos o mais perto do Nirvana que eles podem chegar. E isso não tem preço.
De acordo com Antônio, o legado do Nirvana se mantém nos adolescentes:
— Isso ocorre naquela transição para a fase adulta, aquela rebeldia com a qual a maioria se identifica ao escutar ou ler sobre o Kurt ou sobre o Nirvana. Hoje em dia, a informação está mais acessível e mais rápida. Por isso, o público que consome Nirvana vai se renovando ao passar dos anos.
Outra banda que presta tributo ao grupo reside em Horizontina, no Noroeste. Na terra de Rui Biriva e Gisele Bündchen, a Nirvana Cover RS está na ativa desde 2018 e conta com Júnior Milbradt (baixo), João Bechaire (vocal e guitarra) e James Bechaire dos Santos (bateria e vocal).
Milbradt acentua que é fácil perceber as influências do Nirvana em muitas bandas da atualidade, principalmente no rock alternativo e no indie rock. Schott corrobora e frisa que a liberdade com que Kurt compunha, juntando elementos pop em uma canção de rock, é até hoje um exemplo para bandas novas — como Mannequin Pussy, Girl Ray, Boygenius, The Monic, Idles e Amyl & The Sniffers. Sem contar que Grohl montou o Foo Fighters, trazendo o guitarrista Pat Smear, que integrou o Nirvana na fase final.
— O fato de as músicas abordarem uma variedade de temas complexos e universais, sentimentos de angústia, solidão, depressão e desespero, e a força de vontade que Kurt tinha em expor esses temas, somados com suas lutas pessoais, fazem com que ele siga relevante — avalia Milbradt.
Estética grunge
Kurt era controverso em sua relação com o sucesso, muitas vezes se posicionando contra a indústria musical e o sistema — do qual sua banda se beneficiava. Porém, como observa Carol, o Nirvana se tornou um ícone da cultura pop: super vendável, de popularidade generalizada e fácil engajamento, independentemente de o consumidor conhecer o grupo ou não.

— Honestamente, fico pensando em como o Kurt reagiria vendo seu rosto comercializado ao ser estampado em meias e bonés mundo afora — reflete a pesquisadora.
Basta dar uma checada nas principais lojas de departamento do país, que contêm diversas opções de camisetas e outras peças de vestuário com o Nirvana estampado. Aliás, em seu auge, Kurt e seus comparsas popularizaram a estética grunge: camisa xadrez, calça jeans destroyed, malhas de lã oversized, tênis de lona de algodão ou coturno, presença muito forte da camiseta branca e predominância de cores sóbrias e tons escuros.
Hoje, o penteado de Kurt também serve de inspiração. Uma tendência de 2024 é o corte de cabelo chamado justamente de "Nirvana", por conta da influência que o estilo do vocalista teve no visual. O corte caracteriza-se pelos cabelos na altura dos ombros, com acabamento reto e pontas desalinhadas. Nos últimos meses, celebridades como Sydney Sweeney, Jennifer Aniston, Emma Stone e Isabelle Huppert apareceram com esse estilo grunge.
Paula Visoná, professora do curso de moda da Unisinos, indica que ícones da cultura jovem podem ser revisitados de tempos em tempos, especialmente pelo TikTok. Só que, além do legado, há também interesses mercadológicos.
— Logicamente esse apelo de Kurt e do Nirvana foi percebido pela fast fashion, sendo transformado em produto pelo apelo comercial que tem — explica Paula. — Por ter um público forte, esse tipo de conteúdo impacta positivamente a marca ou loja que difundi-lo. Há também uma estratégia de posicionamento de comunicação, que potencializa esse legado e torna a coisa muito maior.
Sobre o apelo de Kurt e sua obra, o escritor britânico Everett True reflete no livro Nirvana — A Verdadeira História (Belas Letras): "Eles pegaram o Zeitgeist: o desafeto daquela geração (...), identificando-se, assim, com todos os adolescentes excluídos. Kurt Cobain nunca passou do estágio de ser um jovem raivoso e traído".