Foram décadas migrando de um lado para outro até a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) finalmente ancorar em uma sede própria. Sonho concretizado em 2018, o Complexo Cultural Casa da Ospa oferece um amplo e cômodo espaço para que uma das orquestras mais antigas em atividade ininterrupta no Brasil realize ensaios, apresente concertos e recitais, receba convidados especiais e ainda exiba sua história de mais de 70 anos em um memorial.
Quando ainda era trompetista, Evandro Matté havia deparado com um saguão vazio contíguo à Secretaria de Educação, ao lado do Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff), cuja sala de conferências, caso recebesse adequações, poderia abrigar a Ospa. Sem uma sede própria desde a fundação da orquestra, em 1950, os músicos haviam se habituado a ensaiar em um local e se apresentar em outro, sempre espaços cedidos ou alugados.
Ao ser nomeado diretor artístico e regente em 2015, Matté lutou para que chegasse ao fim o martírio dos deslocamentos de músicos, partituras e instrumentos a cada ensaio ou concerto.
— A Ospa ficou 67 anos perambulando. Quando uma orquestra tem que ensaiar em um lugar e fazer concerto em outro é algo muito ruim, muito difícil, porque são espaços com acústicas diferentes. A concretização da Casa da Ospa permitiu que a orquestra evoluísse, porque passou a contar com um espaço com condições ideais. Os músicos vêm aprendendo a tocar conjuntamente dentro desse espaço. Antes, não tínhamos condições básicas para trabalhar, como ar-condicionado. Sem uma temperatura média, há dificuldades até para afinar os instrumentos — afirma o maestro.
Ex-aluno da Escola de Música da Ospa e integrante da orquestra desde 1990, Matté testemunhou as dificuldades da falta de um espaço próprio para os músicos. A sala cedida pela prefeitura na Usina do Gasômetro em 2014 sequer tinha banheiro. As saias-justas renderam causos à parte, ainda mais constrangedores, principalmente quando havia um convidado especial que vinha de outro país para se apresentar como solista junto à orquestra.
— Quando ensaiávamos no Gasômetro, em 2015, convidei um oboísta da Orquestra Filarmônica de Berlim. As janelas tinham frestas nos vidros, era inverno, e a temperatura ficava entre 5°C e 8°C. Esse músico convidado chegou para mim e disse: “Me desculpa, mas eu não vou poder ensaiar aqui. Meu instrumento custa em torno de 20 mil euros, é madeira delicada. Nessa temperatura, corre o risco de rachar”. Tivemos que fazer uma ginástica para organizar um único ensaio em outro lugar antes do concerto. Ele tinha razão, eu não tinha como contestar — diz Matté.
Na Casa da Ospa, a orquestra conta com 2,5 mil metros quadrados distribuídos entre sala de concerto climatizada com capacidade para 1,1 mil pessoas, sala de recitais, sala para o Coro Sinfônico da Ospa, camarins, depósito para instrumentos dos músicos, acervo com fotos e materiais históricos e uma musicoteca que armazena partituras com dedicatórias de compositores como Heitor Villa-Lobos e Radamés Gnattali, considerada um dos maiores arquivos de partituras do país.
Há até uma sala de transmissão virtual dos concertos, situada ao lado do palco, e o setor administrativo habitando o mesmo prédio, algo inédito na história da orquestra e que oferece facilidade para resolver assuntos burocráticos. Sem falar no ponto privilegiado: a sede se situa em uma região estratégica da cidade, a alguns passos do Centro Histórico e da orla do Guaíba.
A concretização da Casa da Ospa permitiu que a orquestra evoluísse, porque passou a contar com um espaço com condições ideais.
EVANDRO MATTÉ
Maestro da Ospa
— É um ponto central, bom para quem está na Zona Norte ou na Zona Sul, e de fácil acesso para quem não tem carro. Há linhas de ônibus saindo de toda parte da cidade que passam na frente da Casa da Ospa, na Avenida Borges de Medeiros. E o fato de estarmos dentro de um complexo, no Centro Administrativo, traz segurança. Contamos até com estacionamento gratuito — celebra o maestro.
Sem a necessidade de disputar espaço na agenda com outros eventos, os concertos da orquestra deixaram de ocorrer às terças-feiras e migraram para as sextas e os sábados, dias nobres da semana.
Fator importante para o desempenho de uma orquestra, a acústica da sala de concerto da Casa da Ospa tem pé direito curto, com 5m50cm entre o piso e o teto, bem abaixo dos 10m ou 15m metros de distância de salas tradicionais. Para garantir a reverberação ideal do som, 263 placas acústicas foram instaladas por todos os pontos, assegurando que os quatro naipes de instrumentos sejam ouvidos de qualquer canto da plateia, inclusive no palco, pelos próprios músicos.
— Recebemos convidados de todos os lugares e todos, sem exceção, dizem que a sala de concerto está ótima, com acústica excepcional — diz Gilberto Schwartsmann, presidente da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre desde 2023.
Schwartsmann descarta a intenção de resgatar o projeto de construir uma sede do zero para a orquestra, com arquitetura suntuosa e sala de concerto ideal, como cogitou-se antigamente, sem nunca chegar a algum resultado. Enquanto estiver no cargo, seu esforço será no sentido de arrecadar mais recursos financeiros para aprimorar as apresentações e remunerar os funcionários. Em julho do ano passado, o governo do Estado acatou pedido dos músicos e aumentou a verba destinada à manutenção de instrumentos e vestuários, passando de R$ 1.206 para R$ 2.881.
Recebemos convidados de todos os lugares e todos, sem exceção, dizem que a sala de concerto está ótima, com acústica excepcional.
GILBERTO SCHWARTSMANN
Presidente da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
Violinista da Ospa desde 1978, Elsdor Ricardo Lenhart, 63 anos, viveu toda a fase árdua da orquestra. Ao instalarem-se na Casa da Ospa, houve estranhamento inicial com a sala de concerto, dissipado após alguns ajustes.
— Em razão do pé direito não muito alto, demorou um pouco para chegarmos a uma acústica ideal. Tínhamos dificuldade de nos escutar. As cordas escutavam os sopros, porque os sopros estão atrás e o som se projeta para a frente, mas os sopros não escutavam as cordas. Foi feito um trabalho de adaptação com placas acústicas e móveis que direcionam as correntes sonoras. Chegamos a um resultado realmente bom. Conseguimos nos escutar melhor — conta.
O que lhe dá mais tranquilidade é a infraestrutura para que os músicos se prepararem antes das apresentações, além da garantia de que não enfrentarão sustos.
— Quando vivíamos em peregrinação, sempre passávamos por surpresa. Ensaiávamos de uma maneira em um local e, na hora da apresentação em outro lugar, o resultado final era bem diferente — recorda.
Outra melhoria que a Casa da Ospa ofereceu aos integrantes da orquestra é a possibilidade de deixar seus instrumentos na sede, em armários com lockers individuais instalados neste ano. Antes, precisavam levar para casa equipamentos caros e que, no caso dos contrabaixos, podem pesar até 20 quilos.
Parceira da Ospa desde 1969, quando apresentou-se pela primeira vez com a orquestra no Salão de Atos da UFRGS, a pianista Olinda Allessandrini celebra o conforto conquistado após décadas de sufoco.
— Acompanho a trajetória da Ospa desde 1969 e sempre admirei os músicos e os regentes pela versatilidade e a capacidade de adaptação. Houve períodos em que cada ensaio era um ato de heroísmo. Agora, a sala de concerto tem acústica perfeita, os ensaios são prazerosos e os instrumentos, bem cuidados. Há uma sala de recitais que estimula a música de câmara, além de camarins amplos e confortáveis — diz Olinda.
Há mais avanços à vista, que devem ser concluídos até o fim do ano, segundo projeção de Matté. No saguão, próximo ao setor administrativo, serão instalados um elevador e uma escada que levarão ao estacionamento coberto do Caff, garantindo mais comodidade ao público.
— Por ser uma orquestra de alto nível, a Ospa tem músicos que se cobram muito. Como é bom acordar de manhã e saber que esses músicos estão indo trabalhar em um lugar que abraça, que dá a eles condições de executar o seu trabalho — afirma o maestro.