Com show marcado em Porto Alegre para o dia 1º de novembro, o músico Roger Waters se vê em meio a controvérsias desde uma apresentação realizada na Alemanha em 17 de maio. Por conta desse show, a polícia de Berlim anunciou, pouco mais de uma semana depois, que investigaria o artista por incitação ao ódio. A polêmica, porém, chegou ao Brasil esta semana, com direito a pronunciamento do Ministro da Justiça, Flávio Dino.
Imagens divulgadas nas redes sociais mostram o músico vestindo um longo casaco preto com braçadeiras vermelhas. Segundo a polícia informou à AFP, as roupas usadas no palco podem ser utilizadas para glorificar ou justificar o regime nazista, perturbando a ordem pública. Os oficiais apontam que as vestes lembram o uniforme de um oficial da SS (sigla para Schutzstaffel, considerada a unidade de elite do Partido Nazista).
Vale lembrar que esse figurino já é utilizado por Waters há décadas. Ele vestiu essa roupa, por exemplo, em sua apresentação em Porto Alegre em 2012. Mas a polêmica vai além das vestes do músico: durante o show, um telão exibia os nomes de várias pessoas falecidas, incluindo o de Anne Frank, a adolescente judia que morreu em um campo de concentração nazista, e de Shireen Abu Akleh, a jornalista com cidadania palestina e americana do canal Al Jazeera que faleceu em uma operação israelense em maio de 2022.
Essa apresentação em Berlim recebeu muitas críticas em Israel. O ministério israelense das Relações Exteriores afirmou que Waters "profanou a memória de Anne Frank e de 6 milhões de judeus assassinados no Holocausto".
"Waters quer comparar Israel com os nazistas. Ele é um dos maiores críticos dos judeus de nossa época", escreveu no Twitter o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon.
Waters é um conhecido ativista pró-Palestina que já foi acusado de ter posições antijudaicas. Em seus shows, ele utiliza um porco inflável com a estrela de David. O músico também defende ações de boicote a produtos israelenses.
As autoridades da cidade alemã de Frankfurt cancelaram uma apresentação do músico programada para 28 de maio, mas a decisão foi anulada por um tribunal administrativo em nome da liberdade de expressão.
Polêmica chega ao Brasil
O advogado Ary Bergher, que é vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e presidente do Instituto Memorial do Holocausto, sediado no Rio de Janeiro, entrou com uma ação contra o músico para que ele seja impedido de ingressar no país e realizar shows em território nacional. Segundo a petição, Waters "há mais de décadas pratica condutas e faz declarações nitidamente antissemitas".
O ministro da Justiça, Flávio Dino, usou o Twitter no sábado (10) para se pronunciar a respeito de uma possível censura a apresentações de Waters no país, caso o músico venha a utilizar adereços com referências nazistas nos shows que fará por aqui em outubro e novembro deste ano. Dino disse que não recebeu nenhuma petição sobre uma possível "apologia ao nazismo" durante os eventos e que a lei brasileira exige análise caso a caso. O ministro se comprometeu a avaliar a situação "com calma e prudência".
"Consoante a nossa Constituição, é regra geral que autoridade administrativa não pode fazer censura prévia, sendo possível ao Poder Judiciário intervir em caso de ameaça de lesão a direitos de pessoas ou comunidades", considerou Dino.
Ele também citou a lei de apologia ao nazismo. "No Brasil, é crime, sujeito inclusive à prisão em flagrante, fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo", continuou. "Essas normas valem para todos que aqui residam ou para cá venham. Friso o que está na norma penal: 'para fins de divulgação do nazismo', o que obviamente exige análise caso a caso."
O esclarecimento de Flávio Dino foi feito após publicação de Lauro Jardim, colunista do jornal O Globo, afirmando que se Roger Waters usasse seu figurino ao estilo de uniforme nazista em show no Brasil, seria "preso pela Polícia Federal", citando uma suposta conversa privada entre o ministro do STF Luiz Fux e o ministro da Justiça Flávio Dino, após pedido de representantes da comunidade judaica.
Roger Waters se justifica
Waters se defendeu no dia 26 de maio. Nas redes sociais, ele disse que suas performances são uma clara demonstração de oposição ao fascismo. Aos 79 anos, o músico sempre se posicionou politicamente contra o autoritarismo. "Minha recente apresentação em Berlim atraiu ataques de má-fé daqueles que querem me caluniar e me silenciar porque discordam de minhas opiniões políticas e princípios morais", escreveu o músico no Instagram.
Segundo ele, desde o The Wall (1979), um dos mais importantes discos do Pink Floyd (o músico era baixista da banda) e da história do rock, que inspirou o filme (1982) do cineasta Alan Parker, a vestimenta de um fascista é usada como uma crítica evidente ao regime que perseguiu judeus e outras minorias. Entender como algo diferente teria motivação duvidosa, defende Waters.
"Os elementos de minha performance que foram questionados são claramente uma declaração em oposição ao fascismo, injustiça e fanatismo em todas as suas formas. As tentativas de retratar esses elementos como algo diferente são dissimuladas e politicamente motivadas. A representação de um demagogo fascista desequilibrado tem sido uma característica dos meus shows desde The Wall, do Pink Floyd, em 1980", acrescentou.
O roqueiro reforçou que passou a vida criticando o autoritarismo e a opressão e que conhece a trajetória de Anne Frank desde que era pequeno. Seu pai, Eric Fletcher Waters, era do exército inglês, que integrou o grupo de países aliados contra a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e foi morto por um bomba alemã, em 1944. Também havia se juntado ao Partido Comunista Britânico.
"Passei minha vida inteira falando contra o autoritarismo e a opressão onde quer que os veja. Quando eu era criança, depois da guerra, o nome de Anne Frank era frequentemente falado em nossa casa, ela se tornou um lembrete permanente do que acontece quando o fascismo não é controlado. Meus pais lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, com meu pai pagando o preço final", finalizou Waters.