Cantando sobre temas ainda atuais em 2023, Pitty se projetou para o Brasil inteiro com o disco Admirável Chip Novo há 20 anos. Diversidade, consumismo, identidade, feminismo, culto à imagem, tecnologia, enfim, muitas discussões vigentes nos dias de hoje marcaram presença no álbum de estreia da cantora baiana. Mas a atemporalidade daquele trabalho não se restringia aos assuntos: são hits que ainda contêm o mesmo frescor de duas décadas atrás.
Portanto, Pitty volta a Porto Alegre neste sábado (22) para ensandecer seu público com Teto de Vidro, Máscara, Semana que Vem, Equalize e, entre tantas outras, a própria faixa-título do disco. Ela sobe ao palco de um Auditório Araújo Vianna lotado (os ingressos estão esgotados), a partir das 21h, apresentando o show da turnê batizada de ACNXX, que celebra justamente os 20 anos de Admirável Chip Novo. Sucessos de outros trabalhos da cantora também devem entrar no repertório — como Me Adora, Sete Vidas e Na Sua Estante —, além de algumas surpresas prometidas pela artista.
Produzido por Rafael Ramos, Admirável Chip Novo foi o cartão de visitas de uma cantora que se solidificou no cenário do rock brasileiro, majoritariamente masculino. Com letras incisivas e partindo da perspectiva feminina, ela gerou identificação e promoveu reflexões em um público jovem a partir de seu primeiro trabalho.
A cantora ressalta que hoje ela e sua banda conseguem executar as músicas do disco de estreia como nunca conseguiram no começo da carreira, até por conta da tecnologia disponível no atual contexto. Independentemente da sonoridade ou da estética, Pitty percebe que as canções do ACN estão extremamente atuais:
— As letras continuam muito frescas, são mais inteligíveis hoje do que naquela época. Ao longo desses 20 anos, o debate na sociedade sobre questões que estão no disco foram se ampliando.
O primeiro single, Máscara, traz um refrão que permanece ecoando na cabeça de muita gente até hoje: "O importante é ser você/ Mesmo que seja estranho, seja você/ Mesmo que seja bizarro". Em 2003, Pitty cantava uma ode à diversidade. Segundo a compositora, ela sempre buscou uma defesa da individualidade, independentemente de gênero, raça ou cor, mas observando seus recortes.
— Hoje eu entendo que é mais interessante falar sobre equidade do que igualdade, porque equidade já traz embutido na palavra que a necessidade de cada um para a sociedade ser justa é diferente, a medida é diferente, não é a mesma para todos — argumenta. — E isso já era falado ali em Máscara, sempre foi uma das minhas bandeiras.
Admirável Chip Novo promove uma adaptação do livro Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, em seu título. De acordo com a cantora, era um momento em que ela sofria influência da literatura futurista e beatnik. Na faixa que batiza o álbum, a cantora conjetura sobre a possibilidade da tecnologia mudar o comportamento das pessoas.
Outro exemplo de tema presente em ACN é a crítica ao consumismo da faixa Só de Passagem ("Eu não sou meu carro/ Eu não sou meu cabelo (...) Eu não sou a comida que eu como/ Não sou a roupa que eu visto"). Conforme a cantora, o consumo pode ser uma ferramenta de controle, então seria necessário entender as armadilhas colocadas por isso.
— A música fala sobre o culto à aparência e à ostentação, o quanto as pessoas se julgam através dessas posses. Traz o não materialismo para a pauta. Por que damos tanta atenção às aparências e à materialidade das coisas se nada disso vai durar? — indaga.
O certo é que ACN mudou a vida de Pitty. Ela terminou 2003 com um disco de platina pelas 250 mil cópias vendidas, recebeu a distinção de Revelação no Prêmio Multishow de Música Brasileira e ainda faturou duas estatuetas no Video Music Brasil (VMB), em 2004: Escolha da Audiência, com Admirável Chip Novo, e Clipe de Rock, com Equalize.
O disco também já mudou a vida de quem o ouviu. Pitty conta que, ao longo de duas décadas, já escutou muitos relatos íntimos e bonitos sobre o álbum, algo que a alimenta como artista. E parece que as mensagens de ACN seguem equalizando diferentes gerações.
— Vejo mães comentando que suas filhas estão escutando essas músicas. Fico muito feliz com isso, pois são canções que podem inspirar pensamentos críticos e de autocuidado, de uma relação mais profunda consigo mesma e com o mundo — conclui.