Filho de Paixão Côrtes, Carlos Côrtes guarda originais do trabalho do pai. A pedido de GZH, revirou os arquivos e enviou os documentos digitalizados. Recortes de jornal, fotografias e gravações em fita cassete foram compartilhadas.
No material há uma entrevista que Côrtes realizou com Alaíde Leonetti da Silva, então com 70 anos, e que foi gravada em filme Super-8. Na conversa, a herdeira fala sobre a edificação e, também, sobre o vaivém de artistas na gravadora:
– Em uma sala ficavam os músicos, depois tinha a sala de gravação. Acho que uns cinco (metros) por cinco, mais ou menos. Dava impressão de ser como uma máquina fotográfica, feito um funil cônico. Atrás, ficava a máquina de gravação. E as pessoas cantavam ali.
Outra entrevista de Côrtes chamou atenção dos colaboradores desta reportagem: em 1972, com o gaiteiro Moisés Mondadori, que foi funcionário da Casa A Electrica. Este conteúdo não era conhecido pelos pesquisadores e não há informações de sua publicação.
– Os discos eram de cera. Vinham da Alemanha, a grossura de dois dedos. Depois iam para uma espécie de guarda-roupa, com as lâmpadas, para amolecer – detalhava Mondadori, que era chefe de prensas na gravadora.
Côrtes segue a conversa, perguntando sobre o acervo e as etiquetas que identificavam os selos dos discos. O entrevistado se apoia em anotações, com detalhes do casarão, os estoques armazenados e o dia a dia na fábrica.
– Quando entrei lá, em 1914, ele me pagava só 60 mil reis por mês, comida e boia. E só – diz Mondadori, reclamando sobre a relação trabalhista com Leonetti.
Paixão questiona o valor pago pelas composições e é mais uma vez surpreendido:
– Nunca recebia nada. Nada, niente (em italiano).
Natural de Antônio Prado, Mondadori viveu muito tempo em Ipê, também na Serra. Nesse município foi erguida uma réplica da Casa A Electrica – o local fechou na pandemia e ainda não foi reaberto. O gaiteiro ganhou um pequeno memorial próprio ali.
Esse espaço leva seu nome artístico: Cavaleiro Moysé.
– Mondadori era tipo um Teixeirinha misturado com Renato Borghetti. Era um popstar – compara Ricardo Eckert.
O museu serrano usou uma construção já existente, pertencente ao município e semelhante à Casa original. Não há, contudo, como comparar a arquitetura de ambas, pondera Lucas Volpatto. Quem coordenou o projeto de Ipê, incluindo a curadoria do conteúdo exibido no interior da edificação, foi a professora Cristiane dos Anjos Parisoto.
Parte de seu trabalho foi baseado em materiais guardados por Mondadori, incluindo fotos e discos. Esse espaço também sofre com problemas de manutenção, que incluem rachaduras nas paredes.
– Em fevereiro, agora, temos intenção de levar os objetos pessoais do Moisés para o museu. O que vai ser feito com o prédio ainda não se sabe – afirma a professora, sobre a deterioração da Casa réplica.
Com urgência ainda maior, a Casa original, em Porto Alegre, segue à espera de melhor tratamento por parte da comunidade.
– Ninguém teve o privilégio de ter o registro de mil artistas locais gravados na década de 1910 como a Casa A Electrica – define Arthur de Faria. – Foi um feito único e que nos dá condições de ver como a música tinha uma cara própria da época. Aliás, não só daquele momento exato, mas desde uns 30 anos antes, com toda a decantação que já existia antes disso. O dia 1º de agosto deveria ser feriado pela fundação da gravadora.