Não faltou modão, resenha e descontração. Foi um sábado (26) para transformar o Beira-Rio num grande bailão, com aquele clima saboroso de churrasco entre amigos. O espetáculo Eles Estão de Volta levou 15 mil pessoas ao estádio, de acordo com a organização do evento. A atração principal foi o projeto Cabaré, reunindo Leonardo e Bruno & Marrone, além das apresentações de Daniel, Raça Negra, Edson & Hudson e Luccas Fernandes.
O baile teve início à tarde, por volta das 15h20min, com show de Luccas Fernandes. Ex-pastor e cantor gospel, ele fez a transição para o sertanejo aos 30 anos (hoje tem 34). É apontado como uma das promessas do gênero. Para o palco montado no Beira-Rio, ele trouxe seus hits como Baque Pesado e Só Não Marca Nóis, além de sucessos de outros artistas — vide o medley de Do Fundo da Grota, de Baitaca, com É Disso Que O Velho Gosta, de Berenice Azambuja, e Você Vai Ver, de Zezé Di Camargo e Luciano.
Em seguida, foi a vez dos irmãos Edson & Hudson. Filhos do palhaço Beijinho, os dois começaram no circo e têm mais de 40 anos de estrada. Eles despontaram no começo dos anos 2000, com o hit Azul.
Uma das principais características da dupla está nos riffs e solos roqueiros que Hudson tira da guitarra, além do alcance vocal de Edson. Mas, essencialmente, o peso do instrumento traz um diferencial para a sonoridade dos dois. É como se fosse um show de country rock, em alguns momentos.
A dupla trouxe ao palco o repertório da turnê Iguais, que conta com seus sucessos (Deixa Eu Te Amar, Rabo de Saia e Foi Deus) e clássicos do sertanejo e até do rock — de Milionário e José Rico a Blitz. Eles finalizaram o show com Galera Coração, com participação da plateia batendo na palma da mão.
Hora do pagode
Entre as atrações sertanejas, uma invasão pagodeira. Foi um intruso bem-vindo. Raça Negra iniciou seu show às 18h. Comandado pelo vocalista Luiz Carlos, que vestia sua característica roupa preta com cordão de ouro, o grupo atravessou gerações como referência no pagode. Segue em alta em churrascos, festinhas e karaokês.
Lançando uma introdução orquestral com ares épicos no som elétrico, Raça Negra abriu o show com o hit É Tarde Demais, colocando o Beira-Rio para dançar.
Na frente do palco, estavam postadas mesas e cadeiras para a plateia, divididas em diferentes setores. Quando começou o Raça Negra, dificilmente alguém ficou sentado. Por ali, a faixa etária que predominava era acima dos 40 anos, composta essencialmente por casais — quando rolava uma música mais romântica, dançavam coladinhos. Havia quem vestisse chapéu de cowboy.
Após interpretar Maravilha, Luiz Carlos cumprimentou a plateia e aconselhou:
— Sejam felizes. De qualquer maneira, procurem a felicidade.
O repertório contou com clássicos como Estou Mal, Preciso de Alguém, Me Leva Junto com Você, Deus Me Livre, entre outros, mas também teve espaço para petardos recentes — caso da intrigante Inquilino ("Fique com a casa, que eu moro de aluguel/ Já tô acostumado a ser iludido/ Achei que seu coração era meu/ Mas fui só inquilino"). No geral, a nostalgia dos anos 1990 sustentou o show.
Na reta final, Raça Negra tocou É Tarde Demais mais uma vez. Cheia de Manias, com uma introdução orquestrada, fechou a tampa - com plena participação da plateia. Luiz Carlos aproveitou ainda para reforçar o recado de antes:
— Aproveite a vida para ser feliz.
Príncipe
Depois do pagode, o sertanejo voltou ao palco com Daniel. Em carreira solo desde 1998, um ano após perder o parceiro João Paulo (1960 - 1997), o cantor é conhecido por sua educação e profissionalismo. Tanto que carrega o apelido de "príncipe".
No show, Daniel repassou majestosamente seu repertório de quatro décadas de sertanejo romântico. Com a banda de apoio vestindo terno preto e branco, o príncipe chamava atenção com seu paletó e colete cinzas, com desenhos em azul e vermelho. Ele abriu a apresentação com uma das antigas, Só Dá Você Na Minha Vida, música de 1993, do tempo da dupla com João Paulo. A seguir, mais uma dos anos 1990: Minha Estrela Perdida.
Comunicativo, Daniel interagiu bastante. Quando podia, exaltava os músicos da banda. Constantemente agradecia a plateia e elogiava.
— Você tem 87 anos? Parabéns, muita saúde — disse o cantor a uma fã idosa.
Daniel homenageou colegas de sertanejo romântico, como Zezé Di Camargo e Luciano (Pão de Mel e Você Vai Ver), Christian & Ralf (Nova York e Saudade, ambas com participação de Edson) e Chitãozinho & Xororó, com a catártica Evidências.
O show seguiu no romantismo com Quando o Coração se Apaixona e Desejo de Amar, mas logo induziu os casais a dançarem animadamente com Fricote. Com Declaração de Amor, Daniel pôs os pombinhos a se abraçarem apaixonadamente (foi curioso ver os pares se beijando enquanto o cantor entoava: "Hoje eu encontrei no carro/ Um bilhete de motel/ Minhas lágrimas molharam/ O pedaço de papel").
Adoro Amar Você foi outro ponto alto do show. O Beira-Rio entoou o refrão: "Ah! Eu adoro amar você/ Como eu te quero eu jamais quis". Antes de Estou Apaixonado, Daniel prestou um tributo a João Paulo:
— A música tem esse poder de cura e aproximação. Essa canção me deixa mais perto dele (João Paulo). Nesses últimos 25 anos, vocês têm sido minha segunda voz.
Quando iniciou Romaria, Daniel foi aplaudido pelo público, que participou com as lanternas do celulares. No final da canção, ele presenteou a fã de 87 anos com uma santinha de Nossa Senhora Aparecida.
— Você representa todas as mães aqui — afirmou.
Daniel prosseguiu dando um afago aos gaúchos, interpretando Querência Amada, de Teixeirinha. Foi um gol do cantor no Beira-Rio. A gauchada cantou com ele a música inteira.
Após tocar um berrante, Daniel interpretou O Menino da Porteira. Seguiu com a divertida A Loira do Carro Branco e o hit Eu Me Amarrei, com direito a dancinha no palco.
A esta altura, o clima era festivo, como se fosse um rodeio, com a plateia dançando despojadamente. A festa teve continuidade com A Jiripoca Vai Piar e Peão Apaixonado.
Por fim, como se fosse Roberto Carlos, distribuiu rosas às fãs. Afinadíssimo e com boa presença de palco, conseguindo levantar o estádio, Daniel promoveu um baile real.
Cabaré pegando fogo
Depois dos galanteios do príncipe, chegou a hora mais picante da noite. Leonardo e Bruno e Marrone subiram ao palco com o projeto Cabaré. Trata-se de um show com a premissa burlesca — participam até oito dançarinas no palco —, recheado de modões repaginados (clássicos do sertanejo com mais camadas), exaltação ao trago e resenha descontraída entre amigos. Não faltam piadas de tiozão no churrasco, daquelas que orgulhariam Ary Toledo.
O trio abriu com Viva a Vida!, de Milionário & José Rico. A esta altura da noite (22h), o público já estava bem aquecido — não só pelos shows anteriores. Foi o clímax da festa. Mas teve quem estivesse mais contemplativo, talvez pego pelo cansaço. Aliás, uma parte do público começou a deixar o estádio após a primeira hora de Cabaré. De qualquer maneira, predominava o clima de baile, com pares ainda dançando e cantando.
A festa seguiu com medley de Fuscão Preto e Pinga Ni Mim. O microfone de Marrone apresentou problemas e o trio aproveitou para iniciar uma conversa que começou com futebol e chegou na economia agrícola.
— Agronegócio deve tudo a vocês do Rio Grande do Sul, que subiram todo o país trabalhando — disse Leonardo.
— É o povo mais trabalhador que tem, com as mulheres mais bonitas — completou Marrone.
O Cabaré continuou com Ainda Ontem Chorei de Saudade, uma versão country rock de as Andorinhas e o medley Liguei Para Dizer Te Amo/Sonhei Com Você. Leonardo assumiu o comando do palco com Eu Juro. Aqui uma bailarina dançava no pole dance enquanto o cantor interpretava versos como "Por Deus, por meus pais/ Vou te amar". Bruno e Marrone se apossaram do show, então, com Por Um Minuto.
Na sequência, o hino Evidências foi entoado pela terceira vez na noite (além de Daniel, já tinha sido tocada uma versão eletrônica entre as apresentações). Funcionou novamente: outro coro do público se ouviu pelo Beira-Rio.
O repertório ainda seguiu com modões como Meu Ex-Amor, Amor de Primavera e Vontade Dividida, entre outros; interpretações de Pense em Mim e Temporal de Amor por parte de Leonardo; Edson voltou ao palco para cantar 60 Dias Apaixonado e Boate Azul com o trio; Bruno e Marrone trouxeram hits como Inevitável, mas apenas uma canja de Dormi na Praça — eles estouraram o tempo do show e precisaram encerrar sem esse clássico completo.
Foi um sábado para o público presente no Beira-Rio seguir o conselho de Luiz Carlos.