Rodrigo Amarante volta a Porto Alegre nesta quinta-feira (15), com show no Opinião, a partir das 22h. Desta vez, o músico traz a turnê de seu segundo disco solo, Drama.
Lançado em 2021, oito anos após sua estreia com Cavalo, Drama é um trabalho descrito como cinematográfico, recheado de faixas com instrumentações complexas e ostentando harmonias. O processo de composição para o álbum teve início em 2017, quando a intenção era realizar um trabalho mais direto. Porém, a pandemia alterou sua forma final.
Em entrevista a GZH, Amarante fala sobre o processo de construção de Drama e sua adaptação aos palcos.
Drama é um disco com faixas substanciosas, contendo orquestra, metais e percussão. Como é a adaptação do disco para os palcos?
É verdade, o Drama tem instrumentação bastante complexa em várias faixas, e isso impõe um desafio na hora de trazer essas músicas para o palco, mas um desafio que eu gosto. Eu acho mais interessante adaptar os arranjos para instrumentação que se pode trazer para a estrada do que tentar reproduzir fielmente os sons que se ouve no disco usando computadores, faixas pré-gravadas e outras malandragens do tipo. Eu não gosto de usar desses subterfúgios porque as coisas começam a perder credibilidade, e perigo — o que até para os músicos causa uma perda de energia. Então, nesse caso, prefiro traduzir os arranjos e muitas vezes designar partes para instrumentos diferentes, abandonar outras. Por exemplo, um arranjo de trompetes pode virar frases em staccato no piano, ou uma frase dos violinos feita na guitarra com efeitos que a faz ter uma textura parecida. O percussionista toca com o pé um instrumento diferente do que toca com as mãos, e o baterista pode pegar emprestado partes que não são naturais da bateria, que foram tocadas por um outro percussionista. Isso para mim fica bem mais interessante e vivo, mais quente, do que tentar fazer seis músicos soarem como uma orquestra usando um computador. Na minha banda, só gente de carne e osso, nada de playback.
Você já comentou em entrevista que, originalmente, a ideia era trabalhar com músicas mais diretas, menos barrocas e com mais ritmo. Como Drama ganhou essa forma final com bastante camadas?
Minha intenção inicial de fazer um disco menos harmônico (e mais rítmico) tinha uma carga que ia contra meus instintos mais doces, e latentes, de escrever sobre coisas mais tenras e emocionais, e por isso mais fortes, então eu me rebelei e segui no caminho contrário do que inicialmente planejei. Abri o coração e escrevi essas canções mais sentidas, enchi as músicas de arranjos de cordas, de metais, escrevi contrapontos para cravos. Mas isso sem abandonar a cama percussiva que eu queria desde o princípio. Acabou que o Drama virou um disco cheio de camadas, com essas duas pulsões vivendo juntas em harmonia.
No que Drama avança musical e esteticamente em relação àquilo que você trabalhou em Cavalo?
Cada disco é o retrato de um período que veio antes, e cada um determina o que o próximo vai querer comunicar, então a ideia de evolução, ou avanço, tem a ver com eficiência, o que é mais comercial do que artístico e um tanto raso. Para mim, cada disco é um passo, sem um não tem o outro, então, pior ou melhor, é esse o meu caminho. No Cavalo, eu estava em outra, pensando na graça de separar-me do meu nome, em tê-lo estampado num álbum pela primeira vez, a questão de crise de identidade que isso produz — ter que moldar aquele que meu nome vai significar para além de mim. Também o fato de me tornar estrangeiro, de não estar no meu país, de ser entendido sob a língua do outro. Essas confusões, questões, pensamentos, viraram as músicas que lá estão. O Drama é um outro momento, o desdobramento desse, mas não no sentido de evolução, porque não quer dizer que seja só entendimento e clareza, há também confusão e obscuridade. A parte que agora eu sinto como clareza pode depois se revelar uma bobagem. Eu, no Drama, fiz piada de certas noções que no Cavalo eu tinha como sérias, e isso não quer dizer necessariamente clareza... O abandono no Drama é o da ideia da busca de uma expressão pura, de autoria genuína, de imparcialidade emocional. Esse papo de repente me pareceu uma coisa muito boba, até ridícula, e, por isso, hilária. No Drama, não há mais a tentativa de conciliar os dois duplos (aquele que escreve e aquele que julga o escrito — aquele que é e aquele que quer ser, cavalo e cavaleiro), mas a aceitação do teatro que sou ainda quando tento não ser, a aceitação de uma certa falta de originalidade que o ego sempre quis provar. O abandono da busca da verdade através das noções de sinceridade e pureza, no lugar uma brincadeira de explorar as diferentes faces que me habitam. Aqui, as vozes são convidadas a cantar através de máscaras, a comédia de ainda me ver nos personagens que finjo não ser. No fim, o disco Drama é muito mais comédia do que melodrama, porque acaba por ser, ainda, uma estratégia para chegar a algo mais real do que uma história "baseada em fatos reais", por assim dizer. Os dois discos são parte um do outro, são a consequência um do outro. Mas nada disso precisa ter importância nenhuma para quem ouve as músicas, e eu não preciso que nada disso seja dito. No fim, o disco é só um apanhado de canções, e cada um vê o que lhe serve ver.
Você começou a produzir as faixas do disco em 2017. De que forma a pandemia transformou Drama?
O disco ia ser feito ao vivo com a banda tocando junto no estúdio sem separação, para ficar com a energia do perigo que isso traz, e metade das faixas foi gravada assim. O plano era fazer overdubs depois que essas gravações terminassem. Com a pandemia, eu tive que mudar radicalmente o processo e terminar sozinho, gravar muita coisa em casa, mandar arranjos de cordas para ser gravado sem mim, enfim, virou um disco muito menos cru e ao vivo do que o planejado. Mas como muita coisa foi gravada assim, eu segui tentando manter aquele espírito, sem corrigir muita coisa, sem entrar na onda de aperfeiçoar nada que tivesse sido gravado em um único take. Mas há um lado positivo que eu não esperava, e que determinou muita coisa. Essa pausa me deu espaço e tempo para fazer essas descobertas sobre a minha intenção inicial e, com isso, o disco ganhou outro significado, uma outra onda. Não posso imaginar agora como teria sido se não fosse forçado e mudar de planos.
Como foi trabalhar os aspectos visuais de Drama?
Eu adoro fazer esse trabalho que não é a parte musical, pensar em narrativas, contar história com imagens. Eu fiz uma série de vídeos para esse disco, produzi e dirigi eu mesmo — e até um trailer como se fosse um filme eu fiz. Bom, um trailer de filme da era em que trailers eram mais interessantes e misteriosos do que são frequentemente hoje em dia. Claro que isso tem um porquê de ser, o disco tem o teatro como ponto de referência, fala disso, então sugerir que isso pode ser uma história tem onda, mas a sugestão pode ser também um fim em si. A ideia que ali sou eu atuando, assim como, apesar das certezas, todos nós em alguma medida estamos o tempo todo.
Rodrigo Amarante - "Drama"
- Nesta quinta-feira (15), às 22h, no Opinião (José do Patrocínio, 834), em Porto Alegre. Abertura da casa: 20h30min.
- Ingressos a R$ 180 (inteira) ou R$ 95 (solidário, mediante a entrega de 1kg de alimento não perecível), à venda em Sympla (com taxas) e na loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611, loja 249 — sem taxa, somente em dinheiro).
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