Existe gênero musical mais família que o rock? Para os Endres, definitivamente, não. O amor pelo som é passado de pai para filho. Tudo começou nos anos 1980, quando Frederico, ainda criança, começou a se interessar pelo estilo musical. Logo em seguida, começou a ouvir os discos do pai, Adroaldo — que, usando suas habilidades de professor de inglês, dava aulas sobre os músicos para o filho, que se encantara por Jimi Hendrix e Black Sabbath. Mas a alma do menino de 10 anos foi totalmente arrebatada pelos deuses do rock quando ele foi levado pelo coroa para assistir à banda norte-americana Quiet Riot, em 1985, em um show "épico" no Gigantinho.
Os anos se passaram, Frederico virou Fredi Chernobyl, guitarrista de uma das bandas de rock gaúchas mais icônicas surgidas nos anos 1990, a Comunidade Nin-Jitsu — da qual é um dos membros-fundadores, assim como o irmão Nando, baixista. No final da mesma década, Fredi se tornaria pai de Erick, que replicaria a sua história: se contagiaria pelo rock com o apoio do pai, mergulharia de cabeça no gênero e se tornaria um guitarrista "muito acima da média" — com ênfase no "muito" —, conforme classificou o comunicador e produtor Lelê Bortholacci.
Em dezembro último, Fredi e Erick dividiram o palco para a gravação do DVD de 25 anos da Comunidade Nin-Jitsu, banda que é mais velha que o filho de Chernobyl. Mesmo assim, o jovem guitarrista fez por merecer o seu espaço entre os veteranos e faz participações no palco do grupo desde quando tinha sete anos, quando realizou a sua primeira performance na abertura do Planeta Atlântida de 2005, encarando um público de 30 mil pessoas. Um batismo digno de um futuro rockstar.
— O palco, para o Erick, é como se estivesse em casa. A impressão que eu tenho, como um pai e músico, é que a vida valeu a pena. Quando vejo o meu filho fazendo algo tão bonito, com essa dedicação que ele tem, esse talento todo, fico muito orgulhoso. Parece que tu fazes jus à tua encarnação, colocando alguém no mundo que é a tua continuação. E, no caso dele, considero uma continuação melhorada — diz o pai coruja.
Primeiros acordes
Tanto Fredi, que está com 47 anos, quanto Erick, de 24, dizem que o rock foi florescendo neles de maneira natural e que os pais foram apenas apoiadores, sem qualquer tipo de pressão para seguir ou não na carreira musical — Chernobyl, inclusive, conta que a ideia foi deixar o filho livre para escolher por qual caminho queria trilhar. O seu papel no desenvolvimento do herdeiro foi ensinar o que sabia e dar as ferramentas para que o rebento pudesse conhecer o mundo do rock. Se fosse ficar nele ou não, a escolha seria de Erick, que aprendeu a tocar guitarra aos quatro anos.
— Ele começou a tocar só com a mão direita, porque a mão dele não tinha tamanho ainda para fazer acorde. Então, ele sentava no meu colo e eu fazia a mão esquerda. Nós dois tocávamos um só instrumento, juntos. Era bem legal — relembra Fredi, que conta que quando Erick fez cinco anos, ganhou uma guitarra infantil, feita especialmente para ele, fruto de uma vaquinha da família.
Enquanto alguns momentos ficaram marcados para sempre na mente do pai, o filho não tem uma primeira lembrança de quando começou a fazer rock, uma vez que sempre esteve inserido nesta realidade — os pais de Erick se separaram quando ele tinha cinco anos, mas a convivência dele com Fredi sempre foi "muito forte", de acordo com o jovem, que frequentava estúdios com o seu velho e tinha acesso a instrumentos e outros recursos para fazer música.
— Quando ganhei a guitarra, comecei a ter mais memórias e passei a explorar o instrumento um pouco mais, mas já arranhava alguma coisinha — conta Erick. — E nunca foi uma imposição, foi uma coisa que já era natural. Meu pai, mais ou menos na mesma época, começou a me dar uns CDs que já não ouvia mais. E aí, eu, com sete, oito anos, estava tirando na minha guitarrinha tamanho infantil todo o CD do Black Sabbath (risos).
Dupla de guitarras
Hoje, Erick já conta com quatro álbuns lançados — o primeiro foi em 2013, quando tinha apenas 15 anos —, que podem ser encontrados nas plataformas digitais, e se prepara para entregar o seu quinto trabalho solo. Porém, ele não fica restrito apenas às músicas autorais que faz: também produz outros artistas, faz mixagens e compõe trilhas sonoras, abrindo o seu leque para várias áreas, incluindo outros gêneros musicais, mas sem nunca deixar de fora o rock, o elo sonoro que compartilha com o pai.
— Se quer fazer a tua música chegar a mais lugares, tem que ir se adaptando conforme o mercado, o que está fazendo sentido e o que está funcionando. O grande lance, para mim, como músico que veio do rock, é justamente colocar ele em outros gêneros. Estou fazendo um disco que deve sair este ano ainda e que tem muita influência de várias outras coisas, como jazz e samba, mas não deixei de colocar guitarra distorcida em nada. Sempre com esse pé no rock, tentando pesar um pouco mais as coisas, ter essa visceralidade — explica Erick.
O pai, Fredi, rasga elogios por conta dessa pluralidade do filho e também por não esquecer as suas origens:
— Ele tem capacidades musicais e atinge, em certos aspectos, níveis que eu nunca atingi. Ele é muito compenetrado, toca vários instrumentos, estudou jazz, música erudita, aprendeu muito mais coisas do que eu. E o Erick não foi por este lado por vaidade, ele foi por amor à música e por talento.
E, assim, pai e filho, que ingressaram no mundo da música em realidades completamente distintas — um no analógico e outro já no digital —, vão dividindo experiências, trocando dicas de suas gerações e, assim, tornam-se artistas mais completos. Ambos seguem carreiras distintas, mas volta e meia se reencontram no palco para shows grandes da Comunidade Nin-Jitsu que precisam de duas guitarras, como a abertura do Foo Fighters, em 2015, na Fiergs, e o Planeta Atlântida. Fredi e Nando, além disso, já fizeram parte da banda de Erick.
— Eu realmente não consigo imaginar a minha vida sem ser na música — diz Erick. – Porque foi o que eu vivi desde sempre, sempre tive muita certeza de que para qualquer lado que eu fosse seria na música. Sem essa influência toda no dia a dia, talvez eu não fosse músico, mas nem consigo imaginar isso. É um prazer tão grande fazer música tanto com meu pai quanto com meu tio. A gente se diverte muito no palco. É muito natural e tranquilo.
Neste Dia Mundial do Rock, porém, Fredi e Erick não vão poder tocar juntos para comemorar: o jovem está na Espanha, visitando a mãe, Mariana Pesce, que mora lá desde 2018. Mas, na volta para Porto Alegre, marcada para o final de agosto, as guitarras devem trabalhar juntas novamente.
— Quero seguir fazendo música com o meu pai pela vida toda. Sem dúvida nenhuma — garante Erick.
— E eu quero ver ele feliz, sempre — finaliza Fredi.
Pai e filho podem ser ouvidos no álbum que comemora os 25 anos da Comunidade Nin-Jitsu. As músicas serão lançadas nas plataformas digitais no próximo dia 22. Porém, eles podem ser vistos no show, que já está disponível no YouTube. Juntos, eles são puro rock'n'roll.