Após um hiato inédito de seis meses, a Orquestra Villa-Lobos voltou a funcionar. Com três décadas de história, o projeto costumava atender 600 alunos por semana antes de sua parada, motivada pela quebra do convênio com a Prefeitura de Porto Alegre. Criada para iniciar jovens da Lomba do Pinheiro na música clássica, a orquestra já realizou mais de 1,2 mil concertos, que foram assistidos por cerca de 350 mil pessoas.
Ainda sem apoio do poder público, a orquestra retomou as funções há duas semanas, graças a uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo, que já arrecadou mais de R$ 70 mil – e segue aberta para novos apoiadores. Nesta terça-feira (15), mais 35 jovens ingressaram no projeto. São crianças de sete a 10 anos que receberam flautas com que farão soar suas primeiras notas no estudo musical, realizado agora a distância. A entrega foi realizada na Escola Municipal Ensino Fundamental Heitor Villa-Lobos, berço do projeto, que já conta com mais quatro pontos de atuação na comunidade.
— O recebimento da flauta é uma espécie de rito de entrada para os estudantes. As crianças recebem o instrumento em caráter de empréstimo. Mais tarde, se derem continuidade ao estudo, recebem a flauta em definitivo — explica Cecília Rheingantz Silveira, idealizadora e coordenadora do programa.
Uma das beneficiadas foi a jovem Danieli de Oliveira Costa. Aos sete anos, ele sonhava em integrar o projeto por acompanhar o estudo dos irmãos Renata e Diego, gêmeos de 11 anos, que hoje são violinistas na Villa-Lobos. O pai, Arno Nunes da Costa, vendedor ambulante no Parque Marinha, e a mãe, Sílvia Oliveira, do lar, percebem que a música é uma aliada no desenvolvimento da concentração para os estudos.
— Nunca tive problema com a Renata e o Diego na escola, são crianças que sabem estudar e se comportar. Eles se dedicam à música porque se envolvem e gostam da orquestra — observa Sílvia.
No retorno do projeto, as aulas são a distância. A dificuldade de acesso à internet por parte dos alunos é a principal barreira para o engajamento dos jovens. A turma da qual Danieli faz parte começou em março, mas precisou ser interrompida depois de dois encontros presenciais, devido à pandemia de coronavírus. Naquele momento, mais de 50 alunos integravam o grupo – agora são 35. Ao todo, atualmente são 200 beneficiados assistindo às aulas a distância.
— Estamos preocupados com a situação dos adolescentes que perderam seus vínculos sociais com a orquestra. Para eles, esse era um dos grupos com que tinham mais afinidade e convivência. Eles estão um tanto perdidos por causa disso. Quando converso com eles, sinto que há um misto de saudade com falta de perspectiva. Isso pode desencadear questões emocionais e psicológicas muito sérias na adolescência — observa Cecília.
Para aumentar a vinculação entre os jovens no período de distanciamento, a orquestra vem gravando videoclipes. Até agora, já foram divulgados quatro vídeos reunindo materiais captados nas casas de diferentes participantes. A iniciativa também se tornou uma da recompensas do financiamento coletivo do projeto. O apoiador pode escolher a música que os jovens vão executar a partir de um repertório de 50 canções e deixar uma mensagem no vídeo.
— Os videoclipes estão sendo uma ferramenta importante de engajamento enquanto os ensaios coletivos não voltam — avalia Cecília.
O convênio da Orquestra Villa-Lobos com a Prefeitura de Porto Alegre deixou de ser renovado no final de abril, pela primeira vez em 12 anos de parceria. A orquestra é considerada uma atividade de contraturno escolar e, assim como projetos da mesma natureza, só deve ter seu convênio recuperado quando as aulas da rede pública municipal retornarem – ou talvez mais tarde, pois há possibilidade de o contraturno não ser restabelecido no primeiro momento.
Por meio do financiamento coletivo, a orquestra conseguiu recontratar em regime de prestação de serviço os 20 professores que precisou demitir em abril. No entanto, os recursos não são suficientes para manter todas as atividades – e, mesmo assim, devem durar por tempo limitado. A arrecadação recebida até agora não é suficiente para ir além do segundo mês de aulas. Por isso, Cecília avalia que a continuidade do financiamento coletivo é importante, mas que o futuro do projeto só estará assegurado com o restabelecimento da parceria com a prefeitura:
— Não podemos garantir só um ou dois meses de atividade. Precisamos nos assegurar de que esse trabalho não será interrompido novamente.