Quando o Pearl Jam lançou o single Dance of the Clairvoyants, em janeiro, a surpresa foi o sentimento imediato dos fãs. Afinal, a banda americana que comemora 30 anos em 2020 apresentou uma sonoridade completamente diferente da que consagrou nos primeiros passos da cena roqueira grunge. Utilizando sintetizadores em uma batida funk e dançante, além de flertar com a new wave, a nova faixa remete a nomes como Talking Heads, Peter Gabriel e David Bowie.
Dance of the Clairvoyants foi um giro 180º bem vindo à sonoridade do grupo de Seattle. É justo, o quinteto com três décadas de trajetória tem passe livre para sair da curva e ousar.
Surgiu uma dúvida: será que o 11º disco de estúdio da banda seria mais experimental? Previsto para ser lançado nesta sexta-feira (27) nas plataformas digitais, Gigaton traz o Pearl Jam de sempre, mas empolgante e vigoroso.
O ativismo de Eddie Vedder e companhia pode ser conferido já no título e na capa do álbum. Nas redes sociais, o grupo descreve que "gigaton é o que os cientistas usam para medir a perda de gelo das maiores camadas de gelo da Terra na Groenlândia e Antártica" — e "esse peso é equivalente a mais de 100 milhões de elefantes ou seis milhões de baleias azuis". A capa traz uma foto de Paul Nicklen flagrando o derretimento de uma geleira na Noruega.
Se Dance of the Clairvoyants foi surpreendente, o segundo single já aponta para um caminho mais convencional, não que isso seja demérito. Lançada em fevereiro, Superblood Wolfmoon flerta com o punk rock/garagem trazendo um vocal mais enérgico de Vedder à la Johnny Rotten no Sex Pistols, além de contar com um solo de guitarra inflamado de Mike McCready.
Quick Escape, terceiro single de Gigaton, saiu na última quarta-feira (25) e confirmou que a pegada grunge do Pearl Jam predominaria no álbum. Aqui, a bateria de Matt Cameron se destaca e remete a sua outra banda, Soundgarden. Em uma letra que descreve um mochilão pelo mundo, Vedder alfineta o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: "To find a place Trump hadn't fucked up yet" (em livre e suavizada tradução, "para achar um lugar que Trump ainda não tenha destruído").
As letras de Gigaton ora têm uma postura combativa, ora enveredam para a reflexão. Após abrir com o rock incisivo Who Ever Said, o disco passa pelos três singles lançados e pelas introspectivas Alright e Seven O’Clock — esta com fortes influências de Pink Floyd, flutuando pelo lado da psicodelia — com novas referências anti-Trump.
Depois de dois rockões típicos do Pearl Jam — Never Destination e Take the Long Way —, Gigaton dá uma desacelerada em sua parte final. O violão predomina na calma Buckle Up e no folk Comes Then Goes, que soa um pouco como se fosse uma música solo de Vedder. Já Retrogade é um manifesto ambientalista que alerta sobre "futuros desaparecendo" com a mudança climática. Amparada por um órgão que cria uma atmosfera religiosa, River Cross encerra o álbum condenando um "governo que prospera com o descontentamento".
Há sete anos que o Pearl Jam não apresentava um disco novo — o último foi Lightning Bolt. Até Rio Act (2002), a banda apresentava um álbum bienalmente. Depois, os lançamentos foram ficando mais espaçados, enquanto o grupo se firmava mais como uma banda de palco. Gigaton areja o grupo trintão, que não estagna no tempo e segue atento com questões da atualidade — agora alertando para os males negacionistas.
Pandemia
Gigaton seria lançado em evento audiovisual especial para os fãs, em um noite especial em salas de cinema, mas a festa foi adiada por causa da pandemia de coronavírus. O Pearl Jam também cancelou as datas da turnê de divulgação do disco na América do Norte, mas planeja reagendá-las.
Em nota publicada nas redes sociais, a banda lamentou a situação, mas também criticou o governo americano: "De nada ajudou que não tenhamos recebido mensagens claras do nosso governo a respeito da segurança das pessoas e da nossa condição para ir trabalhar".