Não é comum Porto Alegre ver uma banda desembarcar na cidade para realizar três shows seguidos. Menos frequente ainda é que essas apresentações, antes mesmo de o grupo pisar na cidade, tenham seus ingressos comprados até esgotar. Quando a tudo isso soma-se o fato de a banda ser uma reunião de brasileiros, uruguaios e argentinos e o show ser realizado em uma das casas noturnas mais badaladas da cidade, temos um evento raro, simbólico e importante na cena cultural local. Estamos falando dos shows do grupo Perotá Chingó no Agulha, hoje, amanhã e domingo, todos com ingressos esgotados.
Tais circunstâncias chamam a atenção dos próprios membros do grupo. Liderada pelas argentinas Dolores Aguirre e Julia Ortiz, a banda ainda conta com o guitarrista uruguaio Diego Cotelo e o percussionista brasileiro Martín Dacosta. A Perotá Chingó já realizou shows em diversos países da América Latina, além de lugares mais distantes, mas vê em Porto Alegre um público cada vez mais devoto.
– É algo inesperado, uma surpresa muito grande. Tenho algumas teorias para explicar este fenômeno. Acho que a situação do Brasil faz com que os olhos se voltem muito mais para os vizinhos latino-americanos e faz com que os brasileiros passem a se sentir, pela primeira vez, como companheiros de América Latina de países como Uruguai e Argentina. Essas portas estavam sendo abertas quando começamos a fazer música. Acho que tem a ver também com o movimento feminista que vem ganhando força. Somos duas mulheres liderando uma banda – explica, em portunhol claro, a vocalista Dolores Aguirre.
A cantora fala com a propriedade de quem conhece Porto Alegre e sua arte: há algum tempo, Perotá Chingó e Apanhador Só, uma das bandas mais relevantes da cena musical recente da Capital, formaram uma parceria que rendeu shows conjuntos no Theatro São Pedro e participação das gurias na faixa Paso Hacia Atrás, de Meio que Tudo É Um, último disco da banda gaúcha.
Feminismo sutil e subjetividade
Na volta ao Rio Grande do Sul, Dolores, Julia, Diego e Martín devem apresentar o repertório de Aguas, disco lançado em 2017 que dá sequência à sonoridade dos trabalhos anteriores, um misto de música folclórica latino-americana, rock easy listening e nova MPB.
– Tentamos fazer um show com uma paleta de cores ampla. Temos a sonoridade da banda inteira, com percussão, teclado, e também os momentos intimistas, em que as vozes de nós duas dão o tom. Tentamos fazer esse tipo de união, com músicas do último álbum e composições antigas – conta Dolores, antes de afirmar que, ainda em 2018, o grupo deve começar a preparar um novo disco, que “será diferente, porque as coisas estão mudando constantemente e também temos a necessidade de mudar”.
Ainda que a banda não seja tão explícita em suas posições como artistas femininas que ganharam projeção recentemente – como Karol Conká, por exemplo –, o discurso de empoderamento feminino aparece subjetivamente nas apresentações e é bastante compreendido pelo público. Tanto que Dolores percebe um padrão nos públicos da Perotá, independentemente da cidade:
– Sinto uma transformação muito grande. O público tem sido 80% feminino. Sempre. Me sinto orgulhosa de ser mulher, agradecida de ser parte de um movimento tão especial. É essa energia transmitida que leva o projeto para frente.