Jamais diga que Paulo Dorfman é um jazzista. Não é que seja proibido, apenas não é apropriado. O compositor e pianista porto-alegrense de 72 anos acredita que seria necessário nascer em Nova York para ostentar o rótulo:
– Não tenho como negar que tenho influência do jazz, pois passei a vida inteira escutando caras como Bill Evans e Oscar Peterson, mas moro no Brasil e tenho que compor música brasileira.
Responsável pela educação formal ou informal de alguns dos mais experientes músicos da cena instrumental gaúcha (“Não foram tantos assim”, diz, modesto), Dorfman é um sujeito cujo temperamento reservado contrasta com sua importância na cena artística do Estado, na qual atua desde a década de 1970. A distância dos holofotes nos últimos anos pode dar a impressão de certa aversão a shows, mas ele garante que não. A verdade é que anda ocupado com as aulas que ministra no curso de Música do Centro Universitário Metodista IPA desde 2000. Mas as coisas estão mudando.
Iniciativas de amigos oportunizaram uma verdadeira redescoberta de Paulo Dorfman. Um dos responsáveis é o flautista e saxofonista Pedrinho Figueiredo, que celebrou 30 anos de parceria com ele em duetos no Café Fon Fon em janeiro. Em fevereiro, o mesmo bar estreou a série de encontros mensais Paulo Dorfman Convida. Foram preparativos para a grande surpresa que vem por aí: o reencontro do quarteto formado por Dorfman, Figueiredo, o baixista Everson Vargas e o baterista Kiko Freitas, que incendiavam de virtuosismo, no início dos anos 1990, as noites da Sala Jazz Tom Jobim, espaço célebre da Capital que ficava no andar de cima do também histórico restaurante Lugar Comum.
Os quatro ases do jazz – ops, da música brasileira – realizarão dois shows, nesta terça-feira (20/3) e quarta (21/3), às 21h, no Sgt. Peppers, em Porto Alegre, com um nobre motivo: gravar um disco ao vivo apenas com composições de Dorfman. O repertório passará por bossa nova, samba, maracatu, frevo e valsa – uma “valsa brasileira”, claro. Mas não espere nenhum vanerão.
– Não consigo compor em estilo gaúcho – afirma Dorfman. – Nada contra, mas minhas influências são Tom Jobim, Ivan Lins, Chico Buarque, Ary Barroso, Noel Rosa. E Mozart.
Mozart?
– Mozart, para mim, é o exemplo maior em música. O que ele tem a ver com o que estamos falando? Está tudo ali. Em Mozart, Bach, Händel – ensina.
Partituras eruditas estão na gaveta
Quando os amigos se referem a ele como maestro, não é apenas figura de linguagem. Dorfman é formado em Música pela UFRGS e tem uma vasta obra erudita que inclui pelo menos seis sinfonias e cinco concertos para piano e orquestra. Boa parte dessas partituras jamais saiu da gaveta.
– De vez em quando, toco no piano e imagino a orquestra – diz.
Não foi por falta de iniciativa. Apresentou as composições para diferentes maestros, quase sem resultado. Uma exceção foi em 1995, quando regeu a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) em sua Suíte Brasileira nº 1, a convite de Cláudio Ribeiro. Dorfman recorda:
– No meio, me emocionei. Pensei: “Não posso me emocionar e deixar a Ospa na mão”. Se alguém tivesse me filmado de frente, não teria entendido nada.
Apesar da longa carreira, sua discografia soma apenas dois títulos, ambos de piano solo, além de participações em trabalhos de outros: São Francisco (2005) e São Francisco II (2010). Gosta mais do segundo, que foi gravado em condições técnicas melhores. Os títulos podem soar estranhos em se tratando de um músico de origem judaica, mas Dorfman explica que são homenagens à cidade de São Francisco de Paula, na serra gaúcha, onde passava as férias de infância e para onde retorna sempre que pode.
Além do disco que será gravado pelo quarteto no Sgt. Peppers, ele e Figueiredo lançarão um CD de choros compostos pelo pianista. O projeto está aprovado pelo Fumproarte, aguardando liberação de verba. Também está nos planos um álbum com o guitarrista Alegre Corrêa, outro bamba.
Foi na infância que começou a paixão pela música, embalada pela vitrola do pai, David Dorfman, um ator e diretor melômano que fez carreira sob o nome artístico Paulo Villa no Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul, importante grupo das décadas de 1940 e 50. A mãe, a imigrante polonesa Luisa Castan, tocava piano e cantava.
Os pais preferiam que ele fosse algo como engenheiro, mas deram origem a uma dinastia de músicos. Paulo teve ainda a influência do irmão mais velho, Cesar Dorfman, que começou na música e depois escolheu a arquitetura como profissão. Paulo tem dois filhos músicos: o pianista Michel Dorfman e o multi-instrumentista Jorge Dorfman. O sobrinho, Lucio Dorfman, filho de Cesar, tocou teclado com os Engenheiros do Hawaii e, depois, com Armandinho.
GRAVAÇÃO DO CD DE PAULO DORFMAN
Nesta terça-feira (20/3) e quarta (21/3), às 21h.
Sgt. Peppers (Rua Quintino Bocaiúva, 256), em Porto Alegre, fones (51) 3331-3258 e (51) 98299-4423.
Ingressos: R$ 50. À venda pelo WahtsApp (51) 99881-8481 ou na bilheteria do local, uma hora antes.
O show: gravação de disco ao vivo com composições instrumentais de Paulo Dorfman (piano). A banda contará também com Pedrinho Figueiredo (flauta/sax), Everson Vargas (baixo) e Kiko Freitas (bateria).