Uma odisseia por mais de três décadas de história musical compactada em 2h45min de um animado e enérgico show, elaborado sob medida para agradar os fãs e embasbacar os nostálgicos.
É a síntese da passagem do Helloween por Porto Alegre, na turnê Pumpkins United, na noite desta terça-feira (31), no Pepsi On Stage.
É fundamental dimensionar a relevância do Helloween. Nos anos 80, os alemães passaram a fazer um estilo de som que partia do heavy metal tradicional, porém com a adição de mais velocidade e melodias. Nascia ali a fonte criativa que serviria de influência a diversos subgêneros que até hoje prosperam, como o Power e o Melódico.
O tom histórico do espetáculo foi sacramentado pela junção no mesmo palco de todos os músicos que fizeram história na banda. O virtuoso vocalista Michael Kiske e o guitarrista e vocalista Kai Hansen, da fase de ouro que gravou os primeiros e mais cultuados discos, voltaram ao palco com Michael Weikath e Markus Grosskopf. Aliados ao carismático e competente vocalista Andi Deris. Sem esquecer de Sascha Gerstner, em uma terceira e barulhenta guitarra, e Daniel Loeble, na bateria.
Imaginar a reunião soaria impossível para qualquer fã depois das diferenças e brigas terríveis que fizeram Hansen e, principalmente, Kiske deixarem o conjunto. A turnê tomou um caráter de reconciliação. Mais uma prova de que o tempo, o amadurecimento e as necessidades do indivíduo podem curar, cicatrizar e reaproximar.
Kiske e Deris estiveram muito afinados, suas vozes casaram no palco. O primeiro em tons mais altos. O segundo, agressivo. Se abraçaram, enalteceram um ao outro, ficaram testa colada com testa, olhos fitados nos olhos. Em alguns momentos, cantaram juntos, com destaque para o dueto na balada "Forever and one". Em outros, interpretavam sozinhos os sons das suas respectivas fases.
Houve até momentos curiosos: antes da execução da música "Why", Deris pediu que Kiske permanecesse no palco. E ali, como numa conversa informal, eles recordaram que a música fez parte do primeiro disco após o ingresso de Deris - e a saída traumática de Kiske - da banda. E Kiske, então, contou ter se negado a escutar à época por birra, cruzando os braços e inflando os beiços para demonstrar em gestos sua atitude magoada do passado. Depois, se abraçaram e o show voltou a correr. Tudo aquilo soava uma verdadeira reconciliação e pacificação. Não acredito que artistas de tal nível, muitas vezes inebriados por personalidades fortes, vaidades e rivalidades, teriam condições de encenar uma situação daquelas.
No palco, foram três gerações de Helloween. Hansen, Kiske e Deris se revezaram para interpretar cada fase da banda. E o interessante é que, entre o público, certamente houve um encontro de gerações, que diferem tanto na idade quanto nas preferências. Alguns, talvez os mais velhos que conheceram o grupo nos anos 80, se referenciam em Kiske e Hansen. Curtem mais a época dourada de "Walls of jericho" e "Keeper of the seven keys". Outros, mais jovens e que acompanharam a explosão do gênero melódico nos anos 90 e 2000, são conectados à fase de Deris, tendo vínculo com discos como "The time of the oath", "Better than raw" e "The dark ride".
Embora seja um gênero musical de gueto, com parte dos seus fãs radicais fazendo questão de uma certa segregação artística, o heavy metal também pode ser bastante democrático. E a prova está em shows como esse do Helloween, em que pessoas de diferentes idades se reúnem no mesmo lugar para entoar hinos que resistem ao tempo. Meses atrás entrevistei Andreas Kisser, do Sepultura, e ele disse que o heavy metal é o gênero mais popular do mundo. Isso porque, segundo ele, que já viajou por dezenas de países, "em todo lugar há grupos de camisas pretas". Andreas pode ter exagerado um pouco, puxado a brasa para o seu assado, mas a essência do seu comentário é verdadeira: o metal é resiliente e encontra fãs, de variadas idades, classes, raças e religiões, em todos os cantos do planeta, sobrevivendo a mudanças de costumes da sociedade e aos solavancos, novidades e imposições da indústria cultural.
E, por falar em sobreviver, cabe uma observação sobre Deris. Embora Weikath seja a mão forte por trás do Helloween, qualquer banda poderia sucumbir definitivamente após a saída de um talento como Kiske. Mas Deris assumiu os vocais, gravou excelentes discos, conquistou novas gerações de fãs. E ontem, em Porto Alegre, mais uma vez demonstrou sua voz potente e o seu carisma no palco. Com gestos e expressões faciais, se transforma em um ator teatral durante o show.
Em quase três horas de espetáculo, foram vários os momentos de destaque. Incrível ver Kai Hansen, com um estilo de vovô descolado, ostentando uma franjinha tingida de vermelho, mostrar o talento que o torna, quem sabe, um dos maiores músicos da história do gênero. Com anos de liderança no também histórico Gamma Ray, Hansen atuou, em passagens do show, como um típico "frontman". O homem é uma lenda.
Dominado por clássicos, o setlist teve vários pontos altos, mas nada comparado ao bis com "Eagle fly free", "Keeper of the seven keys", "Future world" e "I want out". Antes disso, o público estufou o peito para cantar "How many tears", "Power", "Dr. Stein", "Halloween", "A litlle time" e algumas mais novas, incluindo a pesada "Are you metal".
O Helloween já não é mais o mesmo e o futuro é imprevisível, é verdade, mas seria pedir demais a manutenção da formação galáctica de Pumpkins United para a gravação de um novo álbum?