Como se fosse máquina. Música de manhã, letra de tarde e gravação em estúdio à noite: essa era a rotina desvairada de Lô Borges em 1972, que resultou no álbum apelidado "Disco do Tênis". Pressionado pelo contrato com a gravadora, que assinou no destemor de seus 20 anos de idade, o garoto havia gasto todo seu repertório meses antes no célebre LP Clube da Esquina, em parceria com Milton Nascimento, e precisou compor 15 novas faixas no mesmo ritmo em que gravava: diariamente.
Lô terminou a gravação "anoréxico, maluco, drogado, doido", sem saber o que fazer, e decidiu cair na estrada, afirmou em entrevista a ZH. A foto de capa do LP - o único par de tênis que ele tinha - indicava seu plano de partir. Foi o que fez e, mesmo depois de retomar a carreira em 1979, nunca tocou ao vivo ou regravou os títulos do álbum. Porém, aos 45 anos de existência, o repertório do disco foi reconstruído pelo produtor Pablo Castro e por Lô Borges e chega nesta sexta-feira ao palco do Teatro Bourbon Country em Porto Alegre.
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O músico diz que o show poderia se chamar "Lô Borges 1972" ou "Tênis Clube", porque inclui também todos as canções de Clube da Esquina que são de sua autoria. E tudo, ele insiste em frisar, é interpretado identicamente às gravações originais, "porque é como as pessoas gostam de ouvir".
O mineiro bom de conversa contará algumas passagens de 1972 no show, mas pouca coisa. Ele não antecipa que fatos vai revelar, mas o que já se pode prever da narrativa é a perspectiva positiva de Lô, mesmo que a exaustão física e mental façam parte do enredo. Para ele, compor o disco foi uma "viagem maravilhosa através do desconhecido" e uma "oficina maluca de experimentos musicais", resultado de uma "saudável irresponsabilidade" de assumir o compromisso sem obras prontas - fato que a gravadora desconhecia.
– A canção que eu gravava à noite, de manhã ela não existia. Eu acordava e me perguntava: "o que você vai fazer hoje, Lô Borges?"
Frustrado com a demora do irmão Márcio Borges, de quem esperava obter a letra para a música composta de manhã, Lô decidiu escrever os versos em homenagem a ele. O resultado é uma declaração de cumplicidade e amor fraternal, que ressoa a diuturna rotina criativa, a parceria artística e os "mil abismos" daqueles anos de chumbo. Dizem os primeiros versos de Eu Sou como Você É:
"Meu irmão eu sou como você é
Saí do mesmo escuro e ando por aí
Toda noite eu sei que amanhã tem mais
Que a gente muda e continua a sonhar
Aprendendo
De manhã não sei"
Apenas quando fala do regime militar que Lô perde o tom de entusiasmo. Ser cabeludo, relata, já era motivo o bastante para alguém ser detido para averiguação naquela época. E ele foi, várias vezes. Tímido e "assustado com a ditadura, assustado com a gravadora e assustado com a rua", sentia-se sufocado pelas privações de liberdade. Mas quem se mobilizou ativamente contra a ditadura, pondera, sofreu muito mais. Lô diz que não tinha consciência para a militância e suas músicas "sobre trens azuis e nuvens ciganas" passaram fácil pela censura.
O desconforto com o regime se traduzia em tristeza e na vontade de ir para longe, mas a única forma de viajar era para dentro de si, por meio de "elementos de alteração da consciência".
A viagem para longe finalmente aconteceu tão logo foi entregue o "Disco do Tênis". Seu primeiro destino: Porto Alegre. Incentivado por um amigo mineiro que morava na capital gaúcha e interessado no rock das bandas Os Almôndegas e Bixo da Seda, Lô pegou 20 álbuns, uma mochila e rumou para a rodoviária Novo Rio para tomar um ônibus para o Sul.
Como seu contato na cidade vivia em um quarto-e-sala com o padrasto, Lô foi para uma pensão. Ficou cerca de 15 dias na Capital, vivendo com o dinheiro apertado e caminhando por parques e ruas com seu inseparável violão. Quando via "rodinhas de cabeludos", aproximava-se, sentava, tocava violão e distribuía o disco. Do Sul, partiu para a Bahia, onde viveu em uma comunidade hippie em Arembepe, perto de Salvador.
A vida louca durou dois anos. Mãe e pai estavam preocupados, e o mineiro voltou para casa com a intenção de se estruturar como compositor e nunca mais passar pelo sufoco como o do primeiro trabalho solo. Trabalhando em seu tempo e sem pressão, nunca mais parou.
A história, que parece enredo de cinema, vai inspirar um filme. A ideia surgiu neste ano, quando uma amiga de longa data, a produtora Vania Catani, da Bananeira Filmes, assistiu ao espetáculo no Rio de Janeiro e percebeu o potencial da história. O trabalho ainda está na fase embrionária, e as gravações não começaram. Sem pressa, como Lô Borges prefere.
LÔ BORGES
Apresentação da turnê Disco do Tênis
Sexta-feira (1º/9) às 21h
Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80).
Ingressos: a R$ 80,00 (galerias), R$ 100,00 (mezanino), R$ 120,00 (plateia alta), R$ 140,00 (plateia baixa) e e R$ 180,00 (camarote). Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante. Pontos de venda: bilheteria do local, a partir das das 14h às 22h; site ingressorapido.com.br, call center 4003-1212.