São 30 anos na estrada, cantando sertanejo de raiz e enfrentando o machismo. Para celebrar as três décadas de sucesso, Roberta Miranda lança novo álbum e brinda os fãs com parcerias com nomes da nova geração do sertanejo feminino – hoje conhecido como feminejo. No álbum Os Tempos Mudaram, a rainha faz um passeio por seus maiores sucessos acompanhada por Marília Mendonça, Maiara&Maraísa e Simone&Simaria, entre outros ícones recentes do gênero.
O projeto nasceu há dois anos. Na origem, a proposta era justamente celebrar o reinado de Roberta, mas a própria declinou e quis que tudo fosse dividido, pois, segundo ela, "todas são rainhas". A gravação ocorreu simbolicamente no dia 8 de março deste ano, o Dia Internacional da Mulher, em São Paulo.
– No dia que vi o DVD pronto, foi a coisa mais linda do mundo. A gente brincou nesse palco, foi tudo leve. Elas sabem como eu as amo. A gente troca mensagens por "zap" (whatsapp), e eu as chamo de "meus bebês", meus amores. Tenho muito orgulho delas – afirma Roberta, 60 anos, em entrevista por telefone, de São Paulo.
Mesmo satisfeita com o novo trabalho, a sertaneja alfinetou o mercado musical, que sempre tentou criar estrelas femininas. Ela afirma que as meninas surgiram na hora certa:
– Esse tempo todo, as gravadoras quiseram fazer uma nova Roberta Miranda. Agora, temos todas essas, que sabem que em mim têm colo.
Além de hits, Roberta apresenta aos fãs canções inéditas, como O Meu Coração Disse Sim, e flerta com o tango em Pecado de Amor e Abandono, que ganhou acompanhamento de acordeão. Com os "seus bebês", ela retoma grandes sucessos, como Tempos Mudaram, com Marília Mendonça; Boate Azul, com Day&Lara; Dói, com Naiara Azevedo; São Tantas Coisas, com Simone&Simaria; Meu Dengo, com Solange Almeida; Vá Com Deus, com Maiara&Maraísa; e o grande momento do disco, Majestade O Sabiá, quando todas voltam ao palco.
Cenário bem diferente na década de 1980
Se hoje as meninas do sertanejo assumiram protagonismo nas listas de músicas mais tocadas do país, há 30 anos o cenário era completamente diferente. No final de 1986, Maria Albuquerque Miranda (o verdadeiro nome de Roberta Miranda), lançava seu primeiro disco, Volume 1, com canções que estouraram nas rádios, como São Tantas Coisas, Na Hora H e Meu Dengo.
O álbum de estreia vendeu mais de 1,5 milhão de cópias – Roberta foi a primeira cantora do país a atingir essa vendagem – rendendo disco de ouro e de platina. Na época, poucos nomes femininos arriscavam-se no gênero, como Sula Miranda. Mas nesse mesmo período, estouraram João Paulo&Daniel, Zezé di Camargo&Luciano, Leandro&Leonardo e Chitãozinho&Xororó.
A paraibana Roberta, considerada de maneira informal a rainha da música sertaneja no país, recorda que foram necessários 24 anos até que a indústria musical conseguisse emplacar outra mulher forte: Paula Fernandes, que estourou em 2010, após participar do especial de fim de ano de Roberto Carlos.
– Durante 25 anos eu ficava falando: "Cadê as mulheres (cantoras)? Cadê?". E, agora, estamos celebrando essa invasão feminina – comenta a cantora, com invejáveis 24 discos lançados e mais de 20 milhões de cópias vendidas.
Os Tempos Mudaram
De Roberta Miranda
Sony Music, CD com 14 faixas, R$ 19,90 e DVD, com 21, R$ 29
ENTREVISTA ROBERTA MIRANDA
O título do DVD Os Tempos Mudaram, o fato de ter convidado somente mulheres e uma foto tua na capa, sorrindo, dão a ideia de realização, de felicidade pelos tempos terem mudado. É isso mesmo?
Fui tão feliz nesse título, dentro de todo o contexto de minha vida, não teria nada melhor para indicar como o nome de um DVD tão importante. Tudo que está acontecendo hoje na música nacional, essa onda sertaneja, não teria nada mais significativo. E a vida é mutável, né?
Como você, considerada uma das precursoras das mulheres na música sertaneja, entende o surgimento de tantas cantoras talentosas? Acha que seria possível na sua época?
Era bem mais difícil antes. A internet facilita muito. Hoje, por exemplo, você olha um clipe da Simone&Simaria batendo 200 milhões de visualizações fácil. Vejo com muito orgulho, com carinho. Não tenho espaço para sentimentos ruins. É lindo o que está acontecendo. Naquela época (nos anos 1980), passei por muita coisa, e fiz um juramento de que nunca deixaria uma colega de música passar pelo que eu tive de passar.
Que situações seriam essas? De machismo?
Isso e mais. Foram muito cruéis, animais comigo. Situações de machismo e de xingamentos. Na época, ouvia coisas do tipo: "Mas vem cá, o que essa 'jacu' está fazendo no palco?" ou "Por que não deixa o campo para nós"?
Isso mudou quando você alcançou o sucesso?
Ah, meu querido, daí, tinha gente aos montes querendo entrar nas minhas canções como parceiro, e eu dizia: "Cara, você não vai entrar". Tive que reeducar esses homens.
Chegou a pensar em desistir da carreira?
Foi terrível, em algumas vezes, pensei em parar, esmorecia. Mas o amor e a paixão pela arte falaram mais alto.
Quando as novas cantoras relatam os problemas de hoje, qual a sua reação?
Dou risada. Mesmo sabendo que ainda existe machismo, nem se compara. Sempre digo para elas: "Imagina Roberta Miranda o que passou?". Não quero que elas passem pelo que passei. Tenho o maior carinho por todas.