Everton Cardoso*
A noite da última quinta-feira foi, para o público porto-alegrense, um privilégio: o palco do Auditório Araújo Viana recebeu uma das melhores orquestras do país, a Petrobras Sinfônica. O repertório, no entanto, não era o típico desses conjuntos do gênero; traziam uma leitura do disco Ventura, da banda Los Hermanos. Apesar de eu acreditar na possibilidade de acesso à música chamada erudita, acadêmica ou de concerto por um público mais amplo sem que haja necessariamente uma desconstrução de todo o ritual que a envolve, penso que a ruptura de algumas fronteiras e modos consagrados pode ser uma alternativa interessante para atrair mais gente à experiência do concerto. No caso deste projeto, a escolha parece acertada. O público era visivelmente diferente das plateias que se vê nos espetáculos de orquestra na cidade. É muito provável que fosse, em sua maioria, a fiel e fanática legião de fãs da banda.
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Os arranjos trazidos a esta turnê pela Petrobras Sinfônica são precisos, ricos em nuanças e, como é sempre interessante em qualquer espetáculo, surpreendentes. Afinal, é no momento em que nos sentimos embasbacados ou arrepiados que a experiência estética atinge seu auge. No misto de show e concerto, várias foram as ocasiões em que isso aconteceu. A emocionante canção Conversa de botas batidas foi exemplo disso. Essa já era uma composição interessante em sua versão original, pois trazia solos intensos de metais e continha uma forte mudança de estrutura que ia de uma levada mais cadenciada, para uma mais suave. Na execução apenas instrumental da orquestra, isso se intensificou e acentuou o lirismo que já estava na primeira gravação. Também Deixa o Verão foi um dos pontos altos da noite. O ambiente carnavalesco da música ganhou intensidade com a boa percussão e com os solos inseridos no arranjo. E a surpresa: a orquestra bagunça-se; a música se interrompe e é substituída por sons caóticos dos instrumentos enquanto os músicos se levantam. A diversão da melodia tornou-se, assim, visível. O público reagiu.
Um alívio para os olhos foi a iluminação precisa, sem exageros. Para se usar uma máxima da área: a boa luz é aquela que, imperceptível, faz a diferença; ou seja, é na sutileza dos climas que está o seu mérito. Uma lástima, no entanto, foi uma falha no volume do som. O auditório tem historicamente problemas de acústica e exige que conjuntos orquestrais se apresentem com amplificação. No caso deste concerto, porém, o problema se acentuou com uma saliência excessiva das vozes dos cantores que executaram algumas das canções. Roberta Campos e Rodrigo Costa, mesmo que com interpretações satisfatórias do repertório, se sobrepunham à delicadeza intensa da execução do conjunto instrumental. Foi uma pena, mesmo, pois ambos tinham qualidades vocais interessantes e que certamente poderiam ter resultado mais inseridas no contexto musical se mais bem equilibradas. Ainda assim, não há dúvidas de que a memória de quem esteve lá guardará uma boa lembrança. Não foi à toa a frase dita pelo maestro Felipe Prazeres na abertura: "Divirtam-se, galera!".
*Jornalista e crítico