Leonard Cohen está indo embora. "Hineni, Hineni/ Estou pronto, meu Senhor", afirma o cantor e compositor de 82 anos em You want it darker, faixa-título de seu novo disco, utilizando a palavra em hebraico com que Abraão apresentou-se a Deus: "Eis-me aqui". "Não há ninguém para culpar/ Estou deixando a mesa/ Estou fora do jogo", sussurra mais adiante o canadense na canção Leaving the table. Felizmente, não precisamos levar tão a sério esse adeus: a trajetória de Cohen é pontuada de músicas que soam como réquiens – caso do hino Hallelujah, por exemplo, lançado no álbum Various positions (1984). Depois de ter declarado em uma entrevista recente que estava pronto para morrer, o veterano artista desmentiu-se no começo de outubro em Los Angeles, em uma festa de audição de seu 14º trabalho de inéditas: "Acho que estava exagerando. Eu sempre estive nessa de autodramatização. Pretendo viver para sempre".
You want it darker completa uma espécie de trilogia de obras-primas da maturidade desse cronista do amor e da existência, que merece um Nobel tanto quanto Bob Dylan. Como nos anteriores Old ideas (2012) e Popular problems (2014), Leonard Cohen renova as velhas ideias que pavimentaram a trajetória de um dos maiores poetas do folk e do pop. Nas nove faixas de You want it darker, o autor corteja assuntos que o preocupam desde que escrevia poesia e ficção no começo dos anos 1960: amor, desejo, fé, perdição, redenção, sexo, solidão.
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O tema de abertura conta com a participação do Congregation Shaar Hashomayim Synagogue Choir, coral da sinagoga que a família de Cohen frequentava em Montreal, responsável pela cortina vocal para uma prece que oscila da indignação à resignação em belos e irônicos versos como "Eu lutei com alguns demônios, eles eram de classe média e mansos". A seguinte Treaty é uma comovente balada em que Cohen exercita sua fluência em ilustrar atribulações mundanas com imagens de inspiração bíblica, dirigindo-se a Deus como quem fala com a amante – ou vice-versa: "Eu vi você mudar a água em vinho/ Eu vi você mudá-lo de volta à água, também/ (...) Estou com raiva e estou cansado o tempo todo/ Eu gostaria que houvesse um acordo, eu gostaria que houvesse um acordo/ Entre o seu amor e o meu".
Em Leaving the table, o bardo ancião confessa-se aliviado por não se sentir mais preso aos caprichos da carne: "Eu não preciso de uma amante, não, não/ A besta miserável está domada/ Eu não preciso de uma amante/ Então apague a chama". Já Traveling light evoca os anos em que Cohen viveu na Grécia no começo da década de 1960 ao lado de Marianne Ihlen, musa do clássico So long, Marianne, morta em julho. "Boa noite, boa noite, minha estrela caída", canta o intérprete embalado pelo violino e pelo som do bouzouki – instrumento aparentado do bandolim. You want it darker termina com duas músicas em que se destacam os arranjos camerísticos: acompanhado por um violino bluegrass e pela voz etérea de Alison Krauss, Cohen lança uma crítica ácida em Steer your way ("Conduzir seu caminho através das ruínas do Altar e do Shopping Center"), enquanto um dolente quarteto de cordas emoldura a grave despedida do cantautor em uma reprise de Treaty.
Como testamento artístico, You want it darker é perfeito. No entanto, preferimos que o disco seja apenas um até breve.
YOU WANT IT DARKER
Leonard Cohen
Folk, Sony/BMG, nove faixas, R$ 39,90.
Disponível nas plataformas digitais.
Cotação: 5/5