Houve um tempo em que a maior dificuldade de um ouvinte consistia em encontrar seu disco desejado em uma loja próxima. Hoje, as agruras têm mais a ver com se achar em meio à avalanche de conteúdo, separar o joio do trigo e conseguir relaxar com a frequência enlouquecedora de lançamentos. Nesse ambiente, tornam-se cada vez mais necessários profissionais (ou amadores) que se dedicam a mergulhar neste mar de conteúdo para sair de lá com o que há de melhor, empacotar essa produção e, por vezes, buscar antiguidades esquecidas e as trazer para o moderno mundo do streaming. São os garimpeiros musicais.
É o caso de empresas gaúchas como Bananas Music Branding e Trail Blazer Sounds, que, cada uma a seu estilo, fazem esse trabalho de curadoria. Se a primeira foca em criar identidades para marcas e lojas por meio da música, a segunda funciona quase como uma revista, apresentando novidades em playlists temáticas. Ambas disponibilizam tudo em seus sites e perfis nas plataformas de streaming – algo essencial para sobreviver no mercado, avalia Carlos Harres, um dos criadores da Trail Blazer Sounds.
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– Essas plataformas são sensacionais para descobrir música, e isso democratiza o acesso a uma quantidade absurda de sons. Com todas as possibilidades de descobrir coisas novas, aquele discurso de que não existem mais bandas boas não se sustenta – destaca Harres. – Nesse universo, é cada vez mais importante ter curadores que te norteiem, porque é muito fácil ficar perdido.
Até por isso, ter sua música nos serviços de streaming virou quase obrigação para quem quer ser escutado. Quem pesquisa o assunto calcula que a próxima geração de ouvintes já deve passar a ignorar artistas que não sejam acessíveis virtualmente – é o ônus de uma tecnologia que se torna hegemônica, como é o caso do YouTube para os vídeos.
– Para o ouvinte médio, realmente essas bandas vão desaparecer, o que é bem preocupante – prevê a DJ e jornalista Juli Baldi, uma das criadoras do Bananas Music. – O Spotify, dentro de suas características, é o novo rádio e cumpre a função de tocar as bandas. A banda gaúcha Dingo Bells, por exemplo, tem uma música com 400 mil plays no Spotify. Que rádio tocaria Dingo Bells para 400 mil pessoas?
No caso de bandas antigas é um pouco mais complicado, mas há quem faça desse resgate praticamente uma missão de vida. É o caso da 180 Selo Fonográfico (que acaba de relançar digitalmente Carteira nacional de apaixonado, estreia solo de Frank Jorge, de 2000) e de Fernando Rosa, o Senhor F, uma das figuras mais importantes da cena roqueira do Estado a partir da década de 1990.
Senhor F sempre usou seu site para agregar e organizar conteúdo de bandas novas e antigas daqui – atualmente, o curador tenta arrumar patrocínio para por em prática seu projeto de digitalizar mais de mil CDs independentes gravados entre 1998 e 2013, e outros 400 singles, fitas demo e EPs.
Algo semelhante faz a turma do Relicário do Rock Gaúcho: na fanpage do Facebook e no canal do YouTube, os cinco amigos disponibilizam vídeos e áudios obscuros da música gaúcha, que vão desde a primeira gravação de Não me mande flores, com a banda Urubu Rei, até um disco completo do Grupo Musical Jerusalém, nome pelo qual respondia a Video Hits antes do primeiro CD.
– O que vejo hoje é algo comparável ao que vivi nos anos 1980, em que tudo era alternativo. Até uma rádio era alternativa, porque não era mainstream. Hoje é diferente apenas a forma como se faz, mas a atividade, em si, continua igual ou até melhor. Daqui a uns 20 anos, vamos estar olhando o YouTube nos óculos, em holograma, alguma coisa assim, tocando Nega (vamos pra Boston), do Urubu Rei, em alto-falantes wi-fi na José Bonifácio – brinca Reinaldo Portanova, usando como exemplo uma das pérolas que disponibiliza em seu canal.
Porto Alegre Vibez: De Wander Wildner a Apanhador Só, esta lista de 15 músicas assinada por Carlos Harres pela Trail Blazer Sounds, faz uma viagem pela produção de pop rock porto-alegrense dos últimos 30 anos , com direito a clássicos atemporais de Nei Lisboa e Jupiter Maçã, por exemplo.
Relicário do rock gaúcho: canal no YouTube em que pérolas obscuras da produção gaúcha entre 1970 e 1990, como gravações raras de bandas como Taranatiriça, DeFalla e Nei Lisboa.