O escritor, dramaturgo e poeta Milan Kundera morreu em Paris, aos 94 anos. A informação foi confirmada pela emissora de TV estatal tcheca, pelo grupo editorial francês Gallimard e pela porta-voz da biblioteca que tem o nome do autor em sua cidade natal, Brno.
— Infelizmente posso confirmar que o senhor Milan Kundera faleceu ontem (terça-feira), após uma prolongada doença — declarou à AFP Anna Mrazova, porta-voz da Biblioteca Milan Kundera, em Brno.
Nascido em 1º de abril de 1929 em Brno, segunda maior cidade tcheca, Kundera escreveu poemas e contos antes de publicar, em 1967, seu romance de estreia, A Brincadeira. Dois anos depois, lançou Risíveis Amores, conjunto de contos que fazem um balanço amargo das ilusões políticas da geração do golpe de Praga que, em 1948, permitiu a chegada dos comunistas ao poder.
Autor do clássico A Insustentável Leveza do Ser (1984) — considerado um dos principais romances do século 20 — Milan Kundera se mudou com a esposa para Paris, na França, na década de 1970. Isso porque foi expulso de seu país natal por criticar a invasão soviética à então Tchecoslováquia em 1968, o que reprimiu com violência a Primavera de Praga, como ficou conhecido o movimento de democratização do país da época.
Em A Insustentável Leveza do Ser, Kundera narra a história de um triângulo amoroso, tendo como pano de fundo justamente o movimento Primavera de Praga. É um retrato sarcástico da condição humana. Suas obras eram conhecidas por explorar, no detalhe, os pensamentos, sentimentos e crenças dos indivíduos, assim como sexo e relacionamentos.
O renomado romance de Kundera começa de forma angustiante com tanques soviéticos passando por Praga, a capital tcheca que foi o lar do autor até ele se mudar para a França em 1975.
A Insustentável Leveza do Ser acompanha um cirurgião dissidente de Praga ao exílio em Genebra, na Suíça, e de volta para casa. Por sua recusa em se submeter ao regime comunista, o cirurgião Tomas é forçado a se tornar lavador de janelas e usa sua nova profissão para arranjar sexo com centenas de clientes do sexo feminino. No final, Tomas vive seus últimos dias no campo com sua esposa, Tereza, e suas vidas se tornam mais oníricas e mais tangíveis com o passar dos dias.
Ao entrelaçar temas de amor e exílio, política e o profundamente pessoal, o romance de Kundera foi aclamado pela crítica, conquistando inúmeros leitores entre os ocidentais, que abraçaram tanto sua subversão antissoviética quanto o erotismo presente em muitas de suas obras.
Os escritos de Kundera, cujo primeiro romance A Brincadeira começa com um jovem enviado para as minas após fazer pouco caso dos slogans comunistas, foram proibidos na então Tchecoslováquia após a invasão soviética de Praga, em 1968, quando ele também perdeu seu emprego como professor de cinema.
Em 1989, a Revolução de Veludo expulsou os comunistas do poder e a nação de Kundera renasceu como República Tcheca, mas até então ele havia criado uma nova vida — e uma identidade completa — em seu apartamento no sótão da Margem Esquerda de Paris. Ele retornou à República Tcheca raramente e de forma incógnita, mesmo após a queda da Cortina de Ferro.
Suas últimas obras, escritas em francês, nunca foram traduzidas para o tcheco. A Insustentável Leveza do Ser, que lhe rendeu tantos elogios e foi transformado em filme em 1988, só foi publicado na República Tcheca em 2006, 17 anos após a Revolução de Veludo, embora estivesse disponível em tcheco no Canadá desde 1985 por conta de um compatriota que fundou uma editora no exílio.
O livro ficou no topo da lista dos mais vendidos durante semanas e, no ano seguinte, Kundera ganhou o Prêmio Estadual de Literatura pela obra.
A esposa de Kundera, Vera, foi uma companheira essencial para um homem recluso que evitava a tecnologia — sua tradutora, sua secretária e, em última análise, sua proteção contra o mundo exterior. Foi ela quem fomentou a amizade dele com o escritor Philip Roth, servindo como intermediário linguístico e — de acordo com um perfil do casal de 1985 — foi ela quem atendeu aos telefonemas dele e lidou com as inevitáveis demandas de um autor mundialmente famoso.
Kundera recuperou a cidadania tcheca em 2019, embora tenha adotado a nacionalidade francesa em 1981. Nos anos seguintes, Kundera publicou vários livros em francês.
— Um dia você verá sua nação desaparecer do mundo, eu teria considerado isso um absurdo, algo que eu não poderia imaginar. Um homem sabe que é mortal, mas tem como certo que sua nação possui uma espécie de vida eterna — disse ele ao autor Philip Roth em uma entrevista ao New York Times em 1980, um ano antes de se naturalizar cidadão francês.