Na esteira da divulgação de declarações racistas que teriam sido cometidas pelo doutorando de filosofia da UFRGS Álvaro Hauschild, 29 anos, a editora Kotter anunciou que irá excluir o livro Anamnesine, escrito por ele, de seu catálogo. Em nota divulgada na última sexta-feira (1º), a empresa afirmou que também irá recolher a obra de livrarias parceiras.
O livro, que reúne contos de ficção, não consta mais no site da editora. A empresa também desligou o doutorando de seu quadro de autores.
No comunicado, o corpo editorial manifestou "o mais absoluto repúdio a declarações ou comportamentos racistas, homofóbicos, misóginos, supremacistas e congêneres". A editora afirmou que publica "autores ideologicamente comprometidos com a democracia, o progressismo e a justiça social" e que respeita "as demais posições como legítimas e meritórias, exceto casos de racismo, homofobia, misoginia e afins, pois não são ideologias, são crimes".
Procurada por GZH, a editora informou que "tudo está sendo decidido e resolvido pelo nosso jurídico". A Kotter disse que estará recebendo os exemplares distribuídos a livrarias nos próximas dias.
Entenda o caso
Na semana passada, o estudante do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do Estado (UFRGS), Jota Júnior, 24 anos, acusou Hauschild de racismo. Em publicação nas redes sociais, Júnior expôs o que seriam conversas que teve com o bolsista. Para ele, o caso se trata de racismo, além de indicar ideais nazistas.
No Instagram, Hauschild divulgou uma nota após a repercussão do caso: "Fizeram uma postagem me caluniando. Os autores inclusive me bloquearam. Tudo será resolvido de maneira limpa segundo a lei".
Conforme Júnior, as ofensas começaram quando sua namorada recebeu mensagens de Hauschild, no que seria uma tentativa de flerte, afirmando que ela estaria "passando vergonha" e fazendo "caridade" por se relacionar com o estudante. Júnior conta que percebeu que o nível das mensagens indicava racismo, e pediu para a namorada que seguisse trocando mensagens com o doutorando. Júnior afirma que ele e a companheira não conheciam Hauschild antes do episódio.
— No começo, achei que seria só mais uma mensagem, como tantas que recebemos, com comentários negativos sobre mim. Mas percebi que era diferente, porque ele passou a falar sobre pureza, inocência, termos que muitas vezes são usados para defender ideais racistas e nazistas. Ele não ofendeu só a mim, o que poderia ser considerado injúria, ele se refere a pessoas negras de forma geral, o que é racismo. E eu segui falando com ele (pelo Instagram da namorada) para provar isso — conta.
Nas supostas mensagens entre os dois, postadas nas redes, Hauschild teria questionado a namorada de Júnior sobre como seriam os filhos dos dois e afirmado que a jovem seria "descendente de vikings".
"Se a mistura influencia? Mas é óbvio. Isso significa que teus filhos vão perder uma enorme carga genética prussiana. Tu como médica deve saber ainda que europeus têm gens recessivos e negros gens dominantes em boa parte do código genético. Isso significa que o povo europeu é o que é porque foi guerreiro e se purificou, se defendendo contra invasores", diz as mensagens publicadas por Júnior.
Hauschild também teria dito que a pessoa negra "exala um cheiro típico, libera substâncias no ambiente e na troca com parceiros". Mas que isso poderia ser resolvido se a jovem "ficar alguns anos sem se relacionar com negros" e "então pode ter a certeza de que não haverá influência".
Hauschild responde a um inquérito na Delegacia de Combate à Intolerância de Porto Alegre após denúncia de Jota Júnior. Ao portal G1, a delegada Andrea Mattos disse que ele confirma a autoria das mensagens, mas nega o crime. Ainda segundo a delegada, por acreditar que não cometeu crime de racismo, o doutorando prestou queixa em uma delegacia distrital, por calúnia.
Confira a íntegra da nota da editora
"NOTA OFICIAL
Devido a fatos recentes, a Kotter Editorial houve por bem reunir hoje seu corpo editorial para discutir entre si e publicar sua posição a respeito do que se segue.
Coube à Editora manifestar-se e reiterar com veemência o mais absoluto repúdio a declarações ou comportamentos racistas, homofóbicos, misóginos, supremacistas e congêneres, por parte de qualquer colaborador ou autor da Editora que, neste caso, se já tenha sido publicado, por imperioso, será excluído do catálogo da Kotter Editorial, bem como será o título publicado recolhido das redes de livrarias parceiras.
Não há nenhuma novidade, pois a Editora sempre se manifestou abertamente contra todo tipo de discriminação, apenas cumpre reiterar de forma oficial, para eliminar qualquer possibilidade de dúvida.
Assinam a presente o corpo efetivo de editores, em nome dos profissionais desta casa editorial, todos comprometidos com o fortalecimento do livre pensamento e da diversidade, e concordes com o que aqui expressamos.
Embora publiquemos autores ideologicamente comprometidos com a democracia, o progressismo e a justiça social, respeitamos todas as demais posições como legítimas e meritórias. Exceto casos de racismo, homofobia, misoginia e afins, pois não são ideologias, são crimes.
Curitiba, 01 de outubro de 2021
Sálvio Luiz Nienkötter
Cristiane Luiza Nienkötter
Francieli Cunico
Claudecir O. Rocha
Tiago Goes Cardoso
Marcos Pamplona
Anna Clara Bordinião
Daniel Osiecki"