A vida do cantor mais popular da música brasileira volta a ser tema de biografia em Roberto Carlos: Por Isso Essa Voz Tamanha, que será lançado nesta segunda-feira (19), data em que o Rei completa 80 anos. O livro foi escrito pelo jornalista Jotabê Medeiros, autor de Belchior: Apenas um Rapaz Latino-Americano (2017) e Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida (2019).
Na obra lançada pela editora Todavia (chega custando R$ 84,90), Jotabê relata em 512 páginas a história cronológica do cantor: de sua infância em Cachoeiro de Itapemirim (ES) até seus dias mais recentes, em que Roberto já estava em confinamento antes da pandemia — nas últimas duas décadas, diminuiu consideravelmente sua produção musical, focando mais nos negócios ou sendo mais lembrado por batalhas judiciais. A biografia aborda o acidente que o músico sofreu quando era criança, que lhe custou a perna direita, o início de carreira seguindo os passos de João Gilberto, a explosão como líder da Jovem Guarda e sua influência, a guinada para o romantismo e as diferentes aspirações mercadológicas ao longo dos anos.
Como jornalista — atuou em publicações como na revista Veja São Paulo e nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo —, Jotabê cobriu a carreira de Roberto desde os anos 1980. Ele conta que ao concluir a biografia de Raul Seixas, seu editor lhe questionou qual seria seu próximo projeto. Após ficar sem reação por um momento, o nome de Roberto Carlos foi mencionado.
— Eu fiquei encantado com a possibilidade e resolvi encarar. A principal ideia que tive foi que usaria minha própria experiência no acompanhamento da carreira dele como fio condutor, o que acho que está expressa no livro — diz Jotabê.
Ouça a entrevista de Jotabê à Rádio Gaúcha:
Em 2006, o historiador Paulo Cesar de Araújo lançou a biografia Roberto Carlos em Detalhes, a qual Jotabê aponta como trabalho fundamental pela pesquisa e pioneirismo. Para o seu livro, ele quis dar continuidade ao trabalho como biógrafo, aliando historiografia e análise, além da investigação jornalística. No caso específico de Roberto Carlos, sua intenção também era preencher as lacunas sobre a história do cantor — por exemplo: o livro de Araújo foi finalizado em 2006, e havia outros 15 anos de carreira a examinar.
No entanto, a biografia escrita por Araújo foi parar na Justiça: em 2007, o cantor conseguiu que o livro fosse recolhido das livrarias. O caso serviu como mote para que o Supremo Tribunal Federal liberasse as biografias não autorizadas no país, mas só em 2015.
Araújo não foi caso isolado: Roberto Carlos sempre foi muito protecionista com sua própria história, recorrendo aos tribunais: em 1979, foi vetada a venda de O Rei e Eu, escrito por seu ex-mordomo, Nichollas Mariano, com auxílio do editor Roberto Goldkorn; em 1983, processou o escritor Ruy Castro por causa de um perfil íntimo publicado na revista Status; em 2013, entrou com ação judicial para impedir que sua imagem fosse utilizada no livro Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude, fruto de um trabalho acadêmico de Maíra Zimmermann.
Mesmo com esse histórico, Jotabê não teve receio em produzir uma nova biografia do Rei:
— Acredito que é possível contar uma história que se passou amplamente no âmbito público com tranquilidade, acuidade, respeito e senso de novidade. Não temo a reação do artista porque acredito que ele tem consciência de que é o mais importante artista popular do país e que sua história é objeto de curiosidade de todos.
Enquanto apurava para a biografia, o jornalista deparou com muitas fontes receosas, que queriam evitar falar sobre Roberto. Talvez medo retaliação.
— É natural, porque são íntimas do artista, e ele é um notório inimigo do que entende como invasão de privacidade. Algumas pessoas que forneceram informações para o livro pediram para não serem nominadas — ressalta.
Para Jotabê, Roberto chega aos 80 anos privilegiando sua face de intérprete, a qual aponta ser de grande excelência.
— Assim como os norte-americanos Tony Bennett ou Frank Sinatra, por exemplo, ele conquistou um lugar de destaque nesse métier de intérprete e é justo que usufrua dele, assim como seria injusto exigir dele um disco de inéditas todo ano, como a indústria se acostumou a extrair dos artistas até certa altura de sua existência — conclui.
Mais livros
Após a batalha judicial que teve que enfrentar, Paulo Cesar de Araújo contou essa história no livro Réu e o Rei: Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes (Cia. Das Letras, 2014). Mas não parou por aí: o historiador prepara uma nova obra sobre o cantor.
Intitulada Roberto Carlos Outra Vez, a nova biografia será dividida em dois volumes. A primeira parte entra em pré-venda nesta segunda, podendo ser adquirida por livrarias físicas e virtuais por R$ 74,90.
Já o segundo volume deve ser lançado no segundo semestre de 2021. Em Outra Vez, Araújo conta novamente a história do cantor, com atualizações ao material original, mas tendo com fio condutor as próprias canções de Roberto — muitas delas autobiográficas.
Apesar do enfrentamento jurídico ao qual foi submetido, Araújo afirma que é um profissional da memória, e Roberto é seu objeto de estudo. Ele garante que a questão judicial não interfere na sua análise da trajetória do artista.
— Não acho que o Roberto deixou de ser importante porque me processou. O fato de ter me processado só acrescentou mais um dado à história dele. Mas isso não interfere na obra que ele já fez, na análise da obra artística dele — sublinha.
Araújo espera que Roberto tenha aprendido algo nesse embate: a história não é patrimônio pessoal.
— Ele pretendia ter o controle da história. Roberto tem uma visão muito autoritária e patrimonialista da memória. É um artista com uma visão autoritária, mas que tem uma obra excelente — conclui o historiador.
Também há mais um livro sobre Roberto Carlos já lançado este mês: Querem Acabar Comigo (Máquina de Livros, 144 páginas, R$ 42), de Tito Guedes, aborda a relação do Rei com a crítica musical. Elaborado originalmente como trabalho de conclusão do curso de comunicação, a obra analisa as opiniões dos críticos de jornais, revistas e também livros sobre Roberto.