Entra crise e sai crise, Porto Alegre consegue manter em atividade um circuito de pequenas livrarias com perfil diversificado. Embora algumas casas não resistam ao tempo, eventualmente um livreiro apresenta um novo modelo de negócio para renovar a cena. É uma tradição que nem o isolamento social imposto pelo avanço do coronavírus está sendo capaz de abalar.
Na Capital, diferentes livrarias têm desenvolvido ferramentas próprias para minimizar os prejuízos pela diminuição do trânsito de clientes. Maior presença na internet, venda de livros por assinatura e telentrega são algumas das saídas encontradas para equilibrar as contas e não diminuir as equipes de trabalho, embora seja inegável a queda da arrecadação.
A Londres, que há 40 anos oferece literatura aos moradores do bairro Bom Fim e arredores, demonstra ser uma das menos atingidas pela crise. E, de fato, na loja, pouca coisa mudou desde o início da pandemia. Paulo Tadeu Luccas, dono do estabelecimento, oferece álcool em gel para os visitantes, mas não limita o número de pessoas que podem acessar o local.
– Os próprios clientes estão conscientes e fazem uso do álcool em gel. E como o movimento está mais baixo e a loja é ampla, ainda não há motivo para limitar o número de visitantes – avalia Luccas.
Apesar de perceber queda no movimento, o livreiro estima que as vendas caíram apenas 20%:
- Apesar de ter menos clientes, as coisas são maiores, mais qualificadas. No sábado, há bastante movimento. É quando muita gente se permite sair de casa. Eles vêm à livraria e se abastecem para a semana.
Apesar do quadro relativamente positivo, a Londres abriu mão de uma funcionária que, segundo Luccas, afastou-se voluntariamente no início da pandemia. A vaga não será suprida até o movimento voltar aos padrões do início do ano. Agora, a equipe é composta por Luccas, sua esposa e mais uma colaboradora.
A situação é bem distinta na Bamboletras, mais uma tradicional livraria de Porto Alegre. O baque foi grande quando a loja precisou fechar, por determinação de decreto municipal, em março. Com cinco funcionários, o proprietário, Milton Ribeiro, precisou usar a criatividade para não entrar no vermelho: transformou o Whatsapp no seu principal canal de venda.
– Não tenho loja online. As pessoas entram em contato, mandam a lista de livros, e eu respondo se temos ou não. Mas é um canal de diálogo, e muito gente começou a divulgar pelas redes sociais. Ganhamos até clientes de fora do Estado – conta Ribeiro.
A loja da Cidade Baixa já está reaberta desde maio, com visitação limitada a um cliente por vez. No entanto, a maior parte das vendas é por telentrega, realizada principalmente de bicicleta. Enquanto descansa das pedaladas, na porta da livraria, o entregador também da dicas de leitura. Paramentado com capacete e roupas de ciclista, Osvaldo Filho versa com profundidade sobre livros de história e política, para o espanto dos clientes, que não sabem que o entregador é também bacharel em Relações Exteriores.
– Além de receber os livros, se der tempo, o cliente também pode debater sobre as leituras com o entregador - brinca Ribeiro.
A Bamboletras sentiu queda de faturamento de aproximadamente 30% ao mês, mas projeta que atravessará a crise sem demitir ninguém. É o caso também da jovem Baleia, com seis anos de história. Dirigida por Nanni Rios, a loja mantém duas funcionárias, que Nanni não vê há mais de um mês. Elas frequentam o espaço, no Centro Histórico, em horários alternados, e não há atendimento a clientes desde março.
- Sempre fomos uma livraria que não atraía exatamente pelo ponto, mas pelos eventos e outras ações que promovíamos aqui. Não quero expor minhas funcionárias, que são pessoas especiais e das quais preciso muito. Estou atenta a todas as notícias, e percebo que ainda não é o momento de abrir - avalia Nanni.
A dona do espaço estima que seu faturamento anual deve cair 50%, já que grande parte da arrecadação se dava em eventos como a FestiPoa Literária, por exemplo. No entanto, o faturamento diário tem aumentado muito graças a um tripé assentado sobre a internet: lives com autores, vendas online e clubes de assinatura. Nanni aproveitou a quarentena para realizar o antigo desejo de montar cinco linhas de clubes do livro, com assinaturas semestrais. Também montou uma banca pela internet — sim, banca, e não loja, já que apenas uma pequena parte do acervo da Baleia está disponível, e os títulos são trocados semanalmente, conforme o tema em voga no momento.
Pelo Instagram, Nanni também passou a entrevistar escritores em transmissões ao vivo. Com isso, fortaleceu a rede de clientes da Baleia, passando a vender para distintas regiões do Brasil. Hoje, seus clubes têm assinante do Rio Grande Sul, Santa Catarina, Goiás, Brasília, Rio e São Paulo.
— Comecei a fazer as lives por um desejo de estar em contato com outras pessoas, em debates e encontros, que era o cotidiano da Baleia antes da pandemia. Foi uma boa surpresa receber tanta gente engajada apoiando a livraria. Essas amizades e contatos são coisas positivas que vão ficar depois da pandemia — conclui Nanni.