Pode parecer idealismo investir em literatura em um país em que 44% das pessoas admitem não ter o hábito de ler (de acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2016) e duas grandes redes de livrarias acabam de entrar com pedido de recuperação judicial. Mas a forma como Volnei Canônica, 44 anos, se aproximou dos livros talvez ajude a entender sua dedicação ao Instituto de Leitura Quindim (ILQ) — uma biblioteca com cerca de 5 mil obras infantis e juvenis que será inaugurada neste sábado (1°) em Caxias do Sul.
Filho dos donos de um ferro-velho, Volnei passou parte da infância remexendo nos livros que iam parar no barracão onde a família reciclava papéis. Como as folhas dos livros valiam muito, o menino não tinha permissão de ficar com as obras. Aproveitava a ausência dos pais para sequestrar exemplares que o interessavam. Foi assim que deparou com uma coleção de clássicos como Alice no País das Maravilhas, Dom Quixote e Peter Pan, todos descartados como lixo.
A noção de que os livros não têm o valor merecido no Brasil e de que o hábito da leitura, formado ainda na infância, pode ser crucial no destino de uma pessoa levou Volnei a especializar-se em literatura infantil e juvenil e a militar nessa área. Acumulou experiências quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 2008. Já foi assessor da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, coordenador do programa Prazer em Ler, do Instituto C&A, e diretor do departamento de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura.
Agora, está focado em transformar a cidade natal em um polo de incentivo à leitura na infância. Com funcionamento de quartas a domingos, das 10h às 17h, a biblioteca do Instituto de Leitura Quindim permitirá que crianças levem para casa até 15 títulos, sem custos de empréstimo e de inscrição, por um período de até 15 dias.
— Prefiro que as estantes da biblioteca do Quindim estejam vazias. Quando a gente fecha no fim do dia e as estantes estão cheias de livros, é porque a biblioteca não está cumprindo com sua função — diz Volnei.
A qualidade das obras é garantida: parte do acervo foi doada pelo próprio Volnei. A outra parte veio de contribuições de seu parceiro na empreitada, o ilustrador brasiliense Roger Mello – vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil.
— O ferro-velho do meu pai me ensinou que o livro tem dois pesos. O peso do papel e o peso da ficção. Se o peso do papel é maior do que o peso da ficção, não é um livro que as crianças precisam ler. Todos os livros da biblioteca Quindim foram escolhidos por pessoas que entendem de literatura infantil. São obras premiadas nacionalmente e internacionalmente – detalha Volnei.
Projeto inclui clube de leitura
O nome e o mascote do projeto são uma homenagem ao mestre da literatura infantil no Brasil, o escritor Monteiro Lobato (1882 – 1948). No Sítio do Picapau Amarelo, Quindim é o rinoceronte que, fugindo de um circo onde era maltratado, é adotado como mascote pela boneca Emília. Refugiar-se, inclusive, é uma das propostas da biblioteca Quindim, abrigada em uma sala no Moinho da Cascata (Rua Luiz Covolan, 2.820), uma construção do início do século 20, afastada do Centro de Caxias do Sul, que serve de sede para os espetáculos do Grupo Ueba.
Sem financiamento público, a Quindim surgiu graças às parcerias, uma delas com o próprio Grupo Ueba, locatário do Moinho, que isentou o Instituto do pagamento de aluguel.
O desenho arquitetônico da sala foi doação de uma arquiteta de Caxias do Sul. Uma vaquinha online foi criada para quem deseja ajudar a arcar com os gastos das obras, com a recompensa de ganhar ilustrações de Roger Mello. O braço comercial do projeto fica por conta de um clube de leitura em que todo mês o sócio recebe em casa um livro infantil. A seleção é feita por um time de curadores composto por nomes como Ziraldo, Marina Colasanti, Adriana Calcanhotto e Ricardo Azevedo. O próximo passo é lançar uma revista para discutir literatura infantil, batizada de Rinoceronte.
Atraído pela leitura por meio de livros jogados no lixo, Volnei mostra fôlego para criar uma série de projetos que encurtam a distância das crianças, e até dos adultos, de uma obra literária:
— A forma como eu tive acesso à literatura não é a forma como os brasileiros têm que ter. A gente tem que trabalhar para que se tenha acesso à leitura de forma mais democrática.
Biblioteca
De quartas a domingos, das 10h às 17h, no Moinho da Cascata (Rua Luiz Covolan, 2.820), em Caxias do Sul. Grátis!
Clube de leitura
Planos a partir de R$ 39,90 por mês no site clubequindim.com.br.
Vaquinha online
Contribuições a partir de R$ 30 no link bit.ly/vaquinhaquindim, até 20/12.