Alvo de um linchamento virtual e centenas de ameaças de morte após uma criança – supervisionada pela mãe, a artista Elizabeth Finger – tocar seus tornozelos durante a performance La Bête, inspirada em obra de Lygia Clark e no qual se apresentava despido, no MAM de São Paulo em setembro de 2017, Wagner Schwartz foi obrigado a evitar aparições públicas no Brasil. Passado mais de um ano do episódio, o artista vem a Porto Alegre fazer sua estreia na literatura com o romance Nunca Juntos Mas ao Mesmo Tempo, com painel no Salão de Bridge do Clube do Comércio, nesta quarta-feira às 18h30min, e lançamento na Praça de Autógrafos da Feira do Livro, às 19h30min. Veja abaixo a entrevista concedida por Schwartz por e-mail.
Em uma entrevista em 2015 você disse que "um escritor está sempre sozinho" e que sua obra performática solo era "uma forma de o escritor dançar". Como você vê a relação entre as duas formas de arte?
Em meu trabalho, dança e escrita sempre estiveram conectadas. A dança, para mim, se apresenta como uma coreografia de impressões. E, a partir dessa definição, ela pode se manifestar tanto na escrita, quanto na própria composição coreográfica. A dança é uma forma de pensar. Ela é uma boa companheira que me ajuda a construir um texto e uma performance a partir de nossa relação.
Sua protagonista é estrangeira e o livro foi escrito em duas línguas. Essas escolhas têm aproximação com a sua própria condição de bilíngue que reside entre Brasil e França?
Tenho dito por aí que eu vivo no Brasil "e" na França, e, não "entre" um país e outro. Sei que esta é a forma consagrada de falar que passamos a vida em dois lugares distintos, mas prefiro dizer que estou em dois lugares distintos, porque a conjunção me ajuda a lidar com a complexidade de ser estrangeiro. Ser estrangeiro é ser mais de um, é ter mais de uma língua, é construir as narrativas de uma vida em dois ou mais continentes. É por isto que esta obra precisava ser publicada em "brasileiro" (os franceses dizem que falamos "brasileiro") e em francês, porque se na edição não houvesse uma destas duas línguas, a figura do estrangeiro deixaria de existir.
Você pode falar um pouco mais de Adeline e da narrativa da obra?
Adeline é o romance. Em algum momento, disse que Adeline era uma personagem, para chegar mais rápido a uma definição. Outro dia, pensei que fosse uma entidade, por imaginar que sua presença tivesse mais forma que seu corpo. E, quando o livro foi impresso, entendi que Adeline é uma língua, porque ela se move no interior do livro como um idioma se move em nosso imaginário. E ela se move pelas ruas, pela cafeteria onde trabalha, em casa, só ou com sua família. E, o que não podemos ver de Adeline – porque ela não deixa –, está em branco.
Em uma premiação de literatura dentro da programação da Feira do Livro, alguns premiados manifestaram receio com o futuro da liberdade de expressão literária e usaram a palavra "resistir" para designar o papel dos escritores hoje no Brasil. Você vê a liberdade de expressão em risco?
A liberdade de expressão nunca esteve nas mãos dos artistas. A liberdade de expressão é uma questão institucional. E as instituições trabalham dentro de uma lógica que dialoga ou não com o poder em questão. O novo governo expressa o modo como extremistas de direita discorrem sobre arte e, neste momento, a liberdade de expressão se tornou um risco porque ela opera contra qualquer discurso autoritário. É preciso saber como as instituições irão lidar com um programa que deixou de ser político e se tornou moral. Nos próximos quatro anos vamos entender se as instituições irão se afastar ou se irão construir, dentro de seus núcleos, um espaço de resistência.
No Brasil, vejo pessoas se mobilizando, sejam elas artistas ou não. São milhares. E elas se mobilizam não somente nas mídias sociais, mas principalmente nas ruas, nas conversas, nos grupos que sabem da importância de enfrentar as mentiras que não cessam de ser divulgadas. Estamos preocupados e com medo desse futuro, porque nele não haverá possibilidade de sermos quem somos, porque passaremos a ser apenas quem esse "outro-que-odeia" vai inventar que somos. Perder os direitos sobre o próprio corpo, sobre as próprias escolhas é o início da barbárie.
Você foi alvo de ataques virtuais violentos em 2017. De lá para cá, houve difusão dos conflitos por meio redes sociais. Mas também emergiu uma discussão sobre as fake news e as perseguições virtuais. Você acompanhou esse fenômeno?
Eu não só acompanhei este fenômeno, como faço parte dele. Esta onda de agressividades, surgida em 2017, foi um laboratório construído por um grupo de manipuladores para testar a eficiência das fake news viralizadas durante a campanha presidencial em 2018.
Você ficou afastado de manifestações pública até fevereiro, quando falou com a jornalista Eliane Brum e disse que poderia voltar a ser ameaçado depois da entrevista. Passado um ano dos ataques, foi possível retomar a rotina de antes? Essa é uma ferida que cura?
Não é possível retomar a rotina. Com os ataques, precisei criar um novo roteiro para o meu dia a dia. E, por incrível que pareça, depois da entrevista feita por Eliane Brum, eu recebi pedidos de desculpa, mesmo que as ameaças continuem. Algumas pessoas conseguiram vestir o meu corpo, entenderam a minha dor. O mais importante para mim, foi receber mensagens de pessoas que, tão logo a entrevista foi publicada, entenderam que tinham sido manipuladas por narrativas distorcidas. É com estas pessoas que vou continuar a conversar. É através dessas mensagens que uma ferida vai se fechando. Mas a cicatriz não desaparece, e eu quero que ela esteja visível no meu corpo, porque preciso recontar esta história para as pessoas de uma próxima geração, para que elas percebam a violência que marca a nossa época.