O peruano Jeremías Gamboa, 41 anos, é um dos nomes mais festejados da nova literatura latino-americana. Seu primeiro romance, Contar tudo, surpreendeu tanto que chegou a ser elogiado pelo conterrâneo Vargas Llosa. Sua inspiração surpreende mais ainda: "Lulu Santos tem essa música que fala de gente comum, normal. Pensei então que, se fosse escrever um livro, teria que ser pelo ponto de vista de alguém assim também". Bem-humorado, Gamboa falou ao público da Feira no sábado, na Sala Leste do Santander Cultural.
Como Contar tudo se relaciona com a atual safra de best-sellers de autoficção, como os do autor norueguês Karl Owe Knausgaard?
Contar tudo surgiu de muitas experiências de leituras relacionadas com o romance autobiográfico: Henry Miller, Kerouac, Fante. Não nos damos conta do contexto geral em que estamos inseridos enquanto estamos escrevendo, mas sim das fontes nas quais bebemos. O surgimento de projetos como o de Knausgaard (a série autobiográfica Minha luta) sem dúvida canibalizou o trabalho de muitos escritores, e agora tudo parece caber na categoria "autoficção". Classificaria Contar tudo como "ficção autobiográfica", um tipo de literatura que talvez seja uma resposta à crise de identidade do novo século.
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Contar tudo também demonstra a importância da música para você. Bob Dylan acaba de ganhar o Nobel. Aqui em Porto Alegre, na nossa Feira, temos músicos como Adriana Calcanhotto entre os convidados. Você acredita que os limites entre literatura e canção estão menos nítidos?
Adoro Adriana Calcanhotto! Escrevi um par de contos escutando sua música. Não posso escrever sem escutar música e ouvi muita música brasileira escrevendo Contar tudo. Sobre a sua pergunta, acredito que não. Sempre houve gente admirável que fez literatura sem suporte musical e gente que fez música com letras estupendas, mas não necessariamente com pretensões "literárias". E, claro, gente que esteve no limite, como Bob Dylan. Isso deve continuar sendo assim.
Seu livro foi sucesso de público e crítica. Esperava por isso?
De jeito nenhum. Quando estava escrevendo só queria terminar. Cruzava os dedos pedindo aos santos que o livro fosse em uma boa direção, que lograsse sentido. Quando estava no fim, comecei a me dar conta de que talvez a história não fosse publicada. Tudo o que aconteceu depois foi inesperado para mim, ainda que às vezes, no calor do trabalho, sentisse que o livro merecia o melhor destino possível. No final de todo o processo, a vitória real foi que a repercussão desse livro está me permitindo escrever outro.