Em 1987, o dramaturgo Christopher Durang estreava, nos Estados Unidos, a peça chamada Laughing Wild, calcada no teatro do absurdo. Off-Broadway, a montagem é uma sátira social que busca, por meio de situações do dia a dia, fazer humor sobre os costumes das pessoas comuns e propor uma reflexão sobre o cotidiano, como a neurose da vida urbana, os relacionamentos amorosos e a positividade quase artificial que a sociedade contemporânea exige.
Quase quatro décadas depois, o texto segue atual a ponto de os produtores Bruna Dornellas e Wesley Telles, da WB Produções, decidirem montar o espetáculo no Brasil, de maneira inédita. A dupla convidou o ator e diretor Guilherme Weber para adaptar o material, mantendo a essência da montagem original, que é fazer as pessoas rirem de si mesmas.
Assim, depois de estrear com sucesso em São Paulo, Gargalhada Selvagem chega a Porto Alegre para três sessões no Theatro São Pedro — nesta sexta-feira (23) e sábado (24), ambos às 20h, e domingo (25), às 18h (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto). A trama acompanha dois atores — um homem e uma mulher — que atravessam a mesma gôndola de um supermercado e, a partir deste encontro, ambos, que pertencem a universos diferentes, apresentam seus jeitos bem particulares de ser e de ver o mundo, além de compartilhar suas experiências com o público.
A dupla que encara o desafio de dar vida aos dois personagens principais — que não têm nomes ou identidades — são os atores Alexandra Richter e Rodrigo Fagundes. Eles buscam emprestar a realidade brasileira ao espetáculo, que já teve montagens, além dos Estados Unidos, em países como Austrália, Inglaterra, Espanha e Argentina, sendo assistida por mais de 5 milhões de pessoas. Em cena, a dupla luta para entender a sociedade e fazer parte de um cotidiano em que todo mundo parece conhecer as regras.
— O Gui (Weber) trouxe muitas referências. E ele fala da vida moderna nas grandes cidades, de como as pessoas estão desconectadas da realidade, através desses personagens que ele coloca em cena. Ele fala um pouco da carência, do desequilíbrio emocional, de tudo isso que a gente está vivendo nos dias de hoje — explica Alexandra.
Além de falar sobre os comportamentos do cotidiano, a peça ainda faz um mergulho no próprio humor, como conta Fagundes:
— A gente faz uma homenagem a todos os subgêneros de comédia. Então, tem o stand-up, tem o bordão, tem o vaudeville, que é de entrada e saída, tipo A Gaiola das Loucas, tem o número de plateia, tem a piada de salão. Enfim, a gente tenta cobrir todos esses tipos de comédia, dentro do teatro do absurdo.
Lata de atum
A confusão entre as duas pessoas perdidas que protagonizam Gargalhada Selvagem se inicia após a mulher, vivida por Alexandra, ir até o supermercado comprar uma lata de atum. Quando o homem, interpretado por Fagundes, não sai da frente dela, ela bate em sua cabeça com o alimento. A partir disso, o desdobramento da situação gera perguntas: será que realmente aconteceu? Será que foi um pesadelo?
— A gente brinca muito com essa questão do lúdico, e as pessoas vão se identificando. Tem gente que ri muito e, no final, fala que caiu uma ficha, que ficou refletindo. E ainda tem gente que só ri mesmo das piadas. É um espetáculo que atinge muitas pessoas em um grau além do que a gente imaginava. É uma comédia, faz rir, mas, ao mesmo tempo, ela toca — detalha Fagundes.
E como manter um texto de 36 anos atualizado? Os dois protagonistas acreditam que o espetáculo conserva a espinha dorsal do original, mas é recheado de questões latentes da vida moderna — bem como outros elementos da obra de Durang, que ajudam a compor esta encenação com cara de 2023, ao mesmo tempo que é atemporal e universal. A montagem, por explorar a natureza humana, ainda consegue entregar, segundo os artistas, uma certa melancolia, mostrando pessoas que estão à deriva na vida.
— Eu acho que o autor é tão inteligente que até fez um trabalho de previsão. Talvez, nessa época (1987), em que a aids estava explodindo em Nova York, onde a peça foi escrita, ele fala muito também da questão gay. É um humor queer e camp. A gente avançou muito tecnologicamente, mas acho que as neuroses do mundo moderno permaneceram e arrisco dizer que se multiplicaram. Hoje, a gente está vivendo em um mundo muito polarizado e de desconexão com a realidade — acredita Alexandra.
Assim, os dois, que vivem justamente atores no espetáculo, acreditam que, ao longo da montagem, provocam sentimentos mistos, entregando frases absurdas, enquanto geram desconforto e, também, dó por parte da plateia. Isso tudo em dois atos, até que entra em cena Beto, vivido por Joel Vieira, que chacoalha aquela relação entre a dupla principal. De acordo com Alexandra e Fagundes, o público não fica passivo durante a apresentação — a plateia é colocada para pensar e embarcar naquela história. E, por falar em público, a dupla se vê privilegiada por estar no projeto e, com isso, levar novas pessoas para o teatro.
— Nós somos mais conhecidos por programas populares, humorísticos, novelas e tal. Então, tenho muito orgulho de falar da quantidade de gente que tem ido assistir à peça e que está indo pela primeira vez ao teatro. Eu fico arrepiado. Ontem, cinco pessoas disseram que tinham ido pela primeira vez ver uma peça. As pessoas conhecem a gente mais da TV e, então, é muito legal você saber que está formando um público, que vai sair dali e querer ir assistir outras peças. O teatro tem uma força incrível — completa Fagundes.
Gargalhada Selvagem
- Nesta sexta-feira (23) e no sábado (24), às 20h, e no domingo (25), às 18h, no Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/n°), em Porto Alegre
- Ingressos: a partir de R$ 50 (galeria). Ponto de venda sem taxa: bilheteria do Theatro São Pedro. Ponto de venda com taxa: pelo site da instituição (teatrosaopedro.rs.gov.br)
- Classificação: 14 anos. Duração: 90 minutos