Dois grandes intelectuais que influenciaram o pensamento científico, religioso e filosófico do século 20 discutem a existência ou não de Deus. Essa é a premissa de A Última Sessão de Freud, peça que coloca Sigmund Freud, pai da psicanálise, e C.S. Lewis, escritor e crítico literário, frente a frente, em um encontro fictício, para um diálogo existencial. A peça, que já foi vista por mais de 45 mil pessoas, terá uma curta temporada em Porto Alegre, com cinco sessões de sexta-feira (19) a domingo (21) no Theatro São Pedro (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto).
Freud (interpretado por Odilon Wagner), 83 anos, crítico da crença religiosa, convida Lewis (Claudio Fontana), 40 anos, renomado professor de Oxford e influente propagador da fé baseada na razão, para debater o dilema entre ateísmo e crença. O neurologista austríaco quer entender como um ex-ateu e brilhante literato pôde "abandonar a verdade por uma mentira insidiosa", deixando o ateísmo e tornando-se um cristão convicto. A dramaturgia, do norte-americano Mark St. Germain, é baseada no livro Deus em Questão, escrito pelo Dr. Armand M. Nicholi Jr., professor clínico de psiquiatria da Harvard Medical School.
Por mais que a peça retrate um embate de ideias, o dramaturgo não quis transformá-la em um debate: trata-se de uma conversa. No gabinete de Freud, na Inglaterra, os dois dialogam sobre a existência de Deus, perpassando assuntos como crença, sentido da vida, natureza humana, sexualidade, sofrimento, morte e relações humanas. Com direção de Elias Andreato, o espetáculo utiliza ainda ferramentas como o humor, a sagacidade e o resgate da escuta como ponto de partida para uma boa conversa, apresentando os temas — que afligem a todos os seres humanos — com certa leveza. Freud e Lewis também são irônicos e se provocam e se analisam a todo instante.
A Última Sessão de Freud atinge o público de forma emocionante, aponta Wagner, que foi indicado ao Prêmio Shell e ao Prêmio APCA 2022 pelo papel do médico. Para ele, esse é o grande segredo do espetáculo e explica, em parte, seu sucesso desde a estreia.
— O interessante é que todos esses temas existenciais não são papo-cabeça. A peça não é feita para bolhas de intelectuais, filósofos, psicólogos ou religiosos; é feita para o público. Não é aula, não precisa conhecer a obra deles para curtir o espetáculo. É uma discussão que todo ser humano, uma vez ou outra na vida, já teve sobre esses temas — destaca.
Além disso, as pessoas gostam dessa discussão, ressalta Fontana. O intérprete de Lewis acredita que a peça fará sucesso em Porto Alegre.
— Porque acho que o público gaúcho é o mais inteligente do Brasil, no sentido de acompanhar e ser educado para teatro, de frequentar — afirma, acrescentando que está animado para reencontrar o público da Capital e feliz de poder voltar ao São Pedro.
Outro destaque da montagem é o espaço no qual a trama se desenvolve. Com uma indicação ao Prêmio Shell de melhor cenário, assinado por Fábio Namatame, o espetáculo reproduz o consultório onde Freud desenvolvia seu trabalho e seus estudos, com suas coleções de arte e o divã. O neurologista estava exilado na Inglaterra depois de ter fugido do nazismo na Áustria, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1939.
Buscando favorecer a ação dramática, St. Germain situou o encontro no dia em que a Inglaterra ingressou na guerra. Os personagens, portanto, são dois homens no limite, sabendo que Hitler poderia bombardear Londres a qualquer momento. Assim, a guerra e, consequentemente, o medo da morte, são temas fortemente presentes no espetáculo, que se passa poucos dias antes de Freud morrer devido a um câncer terminal na laringe. O diretor da peça, por sua vez, optou por uma encenação na qual o texto é protagonista e as ideias estão à frente de qualquer linguagem.
Mergulho nos personagens
Wagner tomou um susto ao perceber a dimensão ainda grandiosa de Freud na sociedade contemporânea. O fundador da psicanálise é visto como um mito — e, para o ator, ele já se tornou quase uma entidade. Para trazer ao público um recorte fiel e com humanidade, Wagner estudou a fundo a figura. Ele descreve a experiência como única:
— Para o ator, ter a oportunidade de interpretar um personagem tão conhecido do público, com uma imagem muito presente no inconsciente coletivo, um personagem desses históricos ou contemporâneos, é uma grande responsabilidade, porque há uma expectativa muito grande. Mas, ao mesmo tempo, é um deleite.
Além disso, a experiência tem sido uma das mais marcantes em seus 53 anos de carreira, conta o ator:
— Acho que nunca tive, nesses meus anos todos, um personagem que fosse tão impactante, uma peça tão impactante e um personagem que tivesse uma resposta de público assim surpreendente. É diferente de tudo o que já fiz na minha vida.
A situação é semelhante para Fontana, com a exceção de que o ator não conhecia seu personagem. O intérprete de Lewis ficou surpreso ao descobrir que o autor é familiar a uma geração mais jovem no Brasil, principalmente por suas obras de fantasia, como As Crônicas de Nárnia, além de ser conhecido na Europa e nos Estados Unidos. Fontana ficou fascinado com a história e as obras do autor, nas quais justifica sua busca pela fé por meio da razão e realiza uma forte defesa da importância da religião.
O britânico busca na teologia as explicações para fenômenos que acredita serem uma manifestação divina. Por outro lado, como um contraponto, Freud se opõe fortemente a essa visão.
— Ele consegue discutir com Freud, acha argumentos que justificam a existência de Deus. A discussão é muito interessante, porque os dois têm argumentos para todos os problemas abordados na peça — destaca Fontana.
Convite ao respeito
Como uma boa obra artística, A Última Sessão de Freud propõe reflexões que saltam à mente dos espectadores, como as dúvidas sobre a existência de Deus e o sentido da vida.
— É uma discussão que não tem vencedores. A coisa mais bonita do espetáculo é que ninguém ganha de ninguém, o que é mais interessante é que as reflexões chegam para cada um sair com suas convicções, para alimentar as suas reflexões. Mas uma das mensagens mais bonitas é que é possível que duas pessoas que pensam absolutamente diferente sentem, conversem e se respeitem — frisa Wagner.
O elenco percebeu que o público se impressiona com esse aspecto, porque, atualmente, as pessoas estão acostumadas a emitir comentários e ser achincalhadas nas redes sociais. Para Fontana, isso pode servir de exemplo principalmente para questões políticas e conversas em família.
Assim, o público que assistir à peça não sairá convertido em ateu ou crente, mas deixará o São Pedro com dúvidas e reflexões. Wagner ressalta que é preciso abrir a mente para dialogar, sem necessariamente mudar a visão do outro — mas estando disposto a ouvir argumentos e a sair modificado:
— O mundo ficou muito polarizado, parece que tem de ser uma coisa ou outra. Não. A gente pode ser muita coisa.
Debate
Após a estreia, na sexta-feira (19), o público poderá assistir a um debate dos dois atores com Sissi Castiel, psicanalista, doutora em Psicologia e coordenadora de seminários e supervisora da Sigmund Freud Associação Psicanalítica (SIG), e Ilton Gitz, professor de cultura judaica e psicanalista em formação na SIG.
A Última Sessão de Freud
- Nesta sexta (19), às 20h; sábado (20), às 17h e às 20h; e domingo (21), às 18h e às 20h30min.
- Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 80, à venda pelo site do teatro.