A tragédia grega não nasceu clássica, e sim popular. Para reaproximar a plateia de uma das fontes do cânone ocidental, a atriz Andrea Beltrão e o diretor Amir Haddad criaram uma montagem modernizada de Antígona, de Sófocles. Apresentada na Capital em 2017, durante o Porto Alegre em Cena, a peça retorna para sessão única amanhã. Andrea falou a Zero Hora:
Por que apresentar Antígona em 2019?
É uma tragédia grega e ela serve para qualquer tempo para falar sobre dilemas, problemas, conquistas, não importando o contexto político ou social. Jamais faria uma escolha artística pensando em questionar a política. Apenas foi uma infeliz coincidência, lamentavelmente, como diria o próprio Millôr (tradutor da obra). Ele escreve que lamentavelmente ainda precisamos de pessoas para traduzir isso. Como ele, sonho com o dia em que isso vire apenas antigo. Quando tivermos uma sociedade livre, o sol vai brilhar para todos. Não tenho prazer especial nessa correlação com o retrocesso que vivemos.
A reação da plateia mudou de 2016 para cá?
O Amir Haddad (diretor) tem um caminho de 60 anos de teatro, com o costume de um teatro horizontal, que conversa com a plateia, convida o espectador a participar com a sua opinião. Nada é impositivo. Dentro disso, a plateia vem com a sua inteligência e percebe as ironias, semelhanças, cada um de sua maneira, não é preciso sublinhar. Não quero que o espetáculo seja panfletário. Teatro já é político por natureza. O fato de as pessoas irem para um mesmo lugar, estando em uma mesma sala, por si só já é um poder de decisão, de escolha, já é muito. Não precisamos explicar a ironia e o tempo de cada parte, seria diminuir o público e pisotear nele. Não é à toa que o texto está há mais de 2.500 anos em cena. O belo é fundamental para a nossa existência, a beleza do sentimento, de se lutar pelo que é certo. É nisso que acredito.
O centro da peça é uma mulher que sabe o que quer e corre atrás disso. Como sente o papel da mulher na nossa sociedade?
As mulheres sabem o que querem, ninguém precisa dizer para elas o que fazer. Pode-se dizer, sim, que a Antígona é feminista, empoderada, mas ela acima de tudo age pelo amor, pelo respeito ao humano e pelo direito de se despedir, de realizar o luto. Isso é uma das coisas mais importantes da humanidade.
Qual é a maior qualidade do personagem? A luta para fazer o que é certo?
Não é a luta, ela apenas corre atrás do desejo irreparável do que deve ser feito. Ela não discute seu papel e sua função, e sim o que tem que ser realizado. Quem julga é o povo, nós mesmos. Ela é a ação, assume integralmente a parte de mudar a realidade.
Qual foi a maior dificuldade da cinebiografia de Hebe, que deve estrear em Gramado?
O maior desafio foi fazer um papel de uma pessoa que existiu de maneira solar todas as semanas e que se expôs por uma vida toda. Reinterpretar, reapresentar foi uma complicação, pois não sou ela. Não esperei nenhuma entidade me possuir (risos), fiz o que vi de estudos e sinto que formamos uma terceira pessoa. Não é a Hebe, não sou eu, e sim uma linha de narrativa dela, uma contadora da vida da Hebe.
O que a marcou no papel?
A coragem dela de se expor, a liberdade de falar o que queria e de fazer tudo ao vivo, mesmo no meio da ditadura. Mesmo com sua posição política, ela sempre lutou pela liberdade de expressão. Sobretudo, ela teve uma vida complicada, não era tudo um mar de rosas, era cheia de problemas, frustrações. Além do sorriso, habita uma pessoa, com defeitos, dilemas, toda torta como somos. É o mais bonito do projeto, esse é o grande barato.