O filme Cidade; Campo chega aos cinemas, nesta quinta-feira (29), carregado de prestígio após passar por dois importantes eventos cinematográficos: o 52° Festival de Cinema de Gramado – onde conquistou o Prêmio do Júri da Crítica e o Kikito de Melhor Atriz para Fernanda Vianna – e o Festival de Berlim – em que Juliana Rojas levou o prêmio de Melhor Direção na mostra Encounters, em fevereiro deste ano.
Apesar das conquistas, a produção de Cidade; Campo passou por dificuldades durante as filmagens, como as interrupções causadas pela pandemia e mudanças de elenco. No entanto, a diretora – que também assina As Boas Maneiras (2017) e Sinfonia da Necrópole (2014) – não esconde a satisfação com a repercussão do filme, que considera o mais pessoal de sua carreira.
— O longa nasceu da vontade de explorar a migração e a relação entre cidade e campo, utilizando as oposições entre esses espaços para construir a narrativa. É um filme subjetivo, em que coloquei muito da minha família, que acessa lugares muito íntimos que não explorei em outras obras — revela Juliana Rojas, que também assina o roteiro.
O filme, que ainda aborda temas como luto, recomeços e ancestralidade, é dividido em duas partes. Na primeira, acompanhamos a mudança de Joana (Fernanda) para a casa da irmã em São Paulo após o rompimento de uma barragem destruir a sua terra natal. Embora a situação remeta à tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, a história também se assemelha com o que o Rio Grande do Sul sofreu com a enchente em maio passado:
— Foi completamente inesperado, pois quando nos inscrevemos para Gramado, não tinha acontecido. Só depois de confirmada a exibição, que nos demos conta que o tema iria ressoar. Tive receio se traria algum desconforto, mas para muita gente ajudou a mobilizar. A ficção faz isso, ela tem o poder de elaborar os nossos sentimentos. O debate foi enriquecedor, pois o público tinha uma compreensão muito forte das questões que a personagem enfrentou — explica a cineasta.
Viagem oposta
Passada a trama de Joana, o filme nos apresenta Flávia (Mirella Façanha), que se muda para a fazenda que herdou do falecido pai junto com a namorada Mara (Bruna Linzmeyer). Aqui, fazemos a viagem oposta: do urbano para o campo.
Após a exibição em Gramado, a equipe realizou sessões de pré-estreia em várias cidades brasileiras, sempre seguidas de debates. Em Berlim, inclusive, Mirella Façanha lembra de ser abordada nas ruas pelo público que assistiu ao filme para discuti-lo:
— O fato do filme ressoar dentro das pessoas, isso não tem tamanho, porque a gente faz um trabalho para gerar diálogo e troca. É muito gratificante você fazer um trabalho que gera uma repercussão. São reconhecimentos que fazem muita diferença na trajetória da gente que é artista.
Bruna Linzmeyer, que também protagoniza a segunda história ao lado de Mirella, ressalta a importância das personagens lésbicas no longa, que não se definem apenas por sua sexualidade, mas por suas lutas pessoais.
— A história não se limita a isso, elas são personagens que estão vivendo um luto, uma trajetória e uma migração. Construímos confiança e intimidade para poder fluir durante as filmagens — enfatiza Bruna, celebrando a rara representação humanizada de personagens LGBTQIA+ no cinema.
— A Flávia está ali para existir além do que aquele fenótipo representa, não para discutir o fato dela ser gorda, para dar conta das expectativas em relação à racialidade, nem para problematizar o fato de estar numa relação lésbica — complementa Mirella sobre sua personagem.
A abordagem da diversidade também foi um fator determinante na construção do roteiro, conforme destaca Juliana:
— Como uma pessoa LGBTQIA+, eu sentia vontade de ver personagens como eu na tela, vivendo outras histórias que não fossem sobre o conflito de ser LGBTQIA+ ou de sofrer preconceito, mas que pudessem ter uma humanidade e outras vivências.
Votante do Oscar
Em junho deste ano, Juliana Rojas foi uma das brasileiras convidadas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para fazer parte da lista de votantes do Oscar. Segundo ela, o convite é uma oportunidade para aumentar a representatividade do cinema brasileiro:
— Ser uma diretora mulher dentro da Academia é importante para ter uma diversificação de olhar e de vivências. Fico feliz de poder ajudar a mudar um pouquinho o olhar das premiações.