Por Danilo Fantinel
Pesquisador, presidente da Associação dos Críticos de Cnema do RS (Accirs), coordenador adjunto do Colegiado Setorial do Audiovisual
Porto Alegre não ficou incólume à movimentação cultural e comportamental que renovou a vida no Brasil na década de 1960, em plena opressão da ditadura militar. Na capital gaúcha, os novos ares soprados pela Nouvelle Vague e pelo Cinema Novo prenunciavam outras formas de se pensar e fazer filmes, sempre em oposição ao cinema clássico, ao filme inócuo e ao sistema de estúdios. Antônio Carlos Textor, que nos deixou no dia 12, aos 91 anos, não foi um cinemanovista de fato, mas aspirou os ventos da modernidade para fazer filmes sobre a vida urbana em seu próprio tempo, sobre o tempo como organizador das coisas no espaço da cidade, sobre a pessoa comum na metrópole e sobre o sujeito marginalizado no antropoceno.
Textor rompeu com a quase exclusiva produção gaúcha de filmes históricos e campeiros, os filmes de bombacha e chimarrão, como os denominou o crítico Tuio Becker em seu livro O Cinema Gaúcho (1981). Para isso, direcionou seu olhar à vertigem da cidade grande, ao seu crescimento concreto e exponencial, seus caminhos e lugares, à peculiaridade de seus personagens. A partir da cidade olhou também para as paisagens do campo, para as águas do Guaíba, colocando urbanismo e bucolismo em trânsito e tensionamento.
Em diálogo com os novos cinemas, Textor não somente adotava temáticas do nosso tempo e do nosso espaço como também ousava na linguagem cinematográfica. Arriscou-se em produções ficcionais, registros documentais, filmes ensaísticos e concepções experimentais, muitas vezes com traços poéticos e simbólicos. Nada fácil em um segmento da cultura gaúcha que ainda buscava sua consolidação no cenário local e, sobretudo, nacional. De forma ampla, valorizou a montagem e a imagem audiovisual em sua potência estético-narrativa, tendo encontrado em Norberto Lubisco um amigo e parceiro perfeito, responsável pela direção de fotografia de 15 de seus filmes.
De sua filmografia composta por 22 curtas-metragens, seus quatro primeiros títulos abordam problemáticas da metrópole gaúcha: sequestro em Um Homem e o Destino (1963, codireção de Rubens Saavedra), desemprego e marginalização em A Última Estrela (1966), o amor entre pessoas de classes diferentes em O Gesto Essencial (1966), trabalho e hedonismo em Uma Sensação de Frio Surpreendente (1966). Nos anos 1970, a realização dos filmes passa a ser em 35mm, e Porto Alegre se torna personagem evidente, como em A Cidade e o Tempo (1970, no qual revê a evolução da Capital por meio de fotos e filmes), Poema para uma Cidade (1971), A Senhora do Rio (1975, documentário sobre a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes) e Um Maravilhoso Espanto de Viver (1978, sobre Mario Quintana, sua poesia e cotidiano na cidade que amou).
A partir dos anos 1980, tem início aquilo que o pesquisador Glênio Póvoas definiu como tetralogia sinfônica: Urbano (1983, melhor curta gaúcho no Festival de Gramado, sobre um homem do Interior que se torna sem-teto na Capital), Grafite (1984, artista de rua desenha paisagens nos muros da capital e se apaixona em sonho, mas vive tragédia), Carrossel (1985, visão poética sobre a agitação da vida urbana) e Quando o Dia Surgir (1996, denuncia social ensaística). Nessas obras, o simbólico, o onírico e o poético ajudam a dinamizar a trama, enquanto a música reafirma seus atributos estéticos e narrativos.
Textor irrompeu no cinema gaúcho com novas imagens, temáticas, discursos e vontades, suprindo um desejo de memória urbana, de registro do agora, alinhando cinefilia e urbanofilia em seus filmes. Fez o que não se fazia na época, abrindo caminhos audiovisuais para a geração Super-8, que, ao longo dos anos 1980, assumiria o protagonismo do cinema contemporâneo no Estado.
Foi um dos muitos cineastas contemplados no livro 50 Olhares da Crítica sobre o Cinema Gaúcho, lançado pela Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs) em 2022. Nessa obra, tive a honra de propor uma mitocrítica fílmica sobre Urbano, um de seus grandes curtas. Seus filmes encontram-se no acervo da Cinemateca Capitólio.