Cinema

Vida depois da privatização
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"Homem Onça" reflete sobre os efeitos da venda de grandes estatais para os trabalhadores e suas famílias

Destaque no Festival de Cinema de Gramado, filme está em cartaz na Capital

Estadão Conteúdo

Luiz Carlos Merten - Especial para o jornal O Estado de S. Paulo

Eduardo Martino & Andrea Testoni / Divulgação
Chico Diaz vive o protagonista de " Homem Onça", de Vinícius Reis, que pensa os efeitos de privatizações na vida do trabalhador

Havia dois ou três bons filmes participando da competição brasileira no recente Festival de Gramado. Carro Rei, Homem Onça e O Novelo. O primeiro venceu o prêmio de melhor filme do júri oficial, o terceiro ganhou o do público. Homem Onça levou apenas o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Bianca Byington. O longa de Vinicius Reis estreou na última quinta-feira (26). Numa entrevista por Zoom, um dia antes da premiação, o jornal O Estado de S. Paulo conversou com o diretor e com o ator protagonista, Chico Diaz, que está em Portugal.

— Esse filme começou a nascer há mais de 10 anos, de um processo que acompanhei muito de perto. Meu pai era funcionário da Vale do Rio Doce e foi atingido no processo de privatização da empresa, nos anos 1990. Embora tenha uma pegada política e esteja saindo no momento em que outro governo adota o discurso da modernidade para justificar novas privatizações, para mim esse filme é muito íntimo, muito pessoal. É um filme sobre meu pai, porque eu acompanhei muito de perto os efeitos da situação da Vale na vida dele, e na nossa vida, enquanto família — diz Vinicius.

Em Gramado, boa parte da discussão no debate sobre Homem Onça foi ocupada pela questão estética — afinal, é um filme. Chico Diaz provocou: "Acho que precisamos falar sobre o Brasil". É o que Vinicius vem fazendo desde A Cobra Fumou, seu documentário sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, de 2002.

Lá atrás, quando Vinicius começou a escrever o roteiro, o projeto chamava-se O Primeiro Mulambo. Depois, virou Montanha Russa, antes de ganhar o título definitivo de Homem Onça. Cada um desses títulos tinha sua justificativa. 

— Meu pai era um funcionário graduado. Na empresa de ficção, a Gás do Brasil, o personagem é um dinossauro. Sabe tudo sobre questões energéticas, mas nesse novo mundo de inglesismos ele vai sendo marginalizado, como se fosse um mulambo qualquer.

Sua vida sofre mudanças radicais, como uma montanha-russa. 

— A narrativa dele se desenvolve em dois tempos, dois casamentos. O homem urbano, casado com Silvia Buarque, e Chico foi casado com ela na vida. Depois, o isolamento, o mato, e o novo casamento, com a personagem de Bianca.

No tempo presente, ele vai sofrendo a mutação. Surge o homem onça, um sobrevivente no mundo que não respeita o meio ambiente, nem as pessoas.

Na infância de Pedro, o protagonista, havia essa onça. O repórter lembra os incêndios no Pantanal, no ano passado, a história das onças que viraram emblemas. Uma delas precisou ser recuperada em cativeiro por causa das patas queimadas e o Brasil inteiro acompanhou o tratamento.

Por mais que abordem temas ligados à sociedade, ao macro, ao Brasil, os filmes de Vinicius Reis terminam sempre por se ligar ao micro — a família está no centro de seu cinema. Durante a gestação de Homem Onça, ele fez Noites de Reis, em 2013. Com outro Diaz, o Enrique, e Bianca Byington. Mãe e filha que se isolam numa cidade do litoral para se recuperar de uma tragédia. A Folia de Reis coincide com a volta do marido, que abandonara a família e agora todos vão tentar aparar suas arestas. 

— É um dos temas mais universais. A menos que se seja um ermitão, família todo mundo tem, seja de sangue ou eletiva — comenta o diretor.

A perda da estabilidade, a insegurança econômica e emocional, tudo isso atinge o personagem de Chico em Homem Onça. Em 2008, Vinicius já estreara Praça Saenz Peña, outra família, o mesmo Chico Diaz, que escreve um livro sobre o bairro carioca e isso termina por afetar a ligação com a mulher e a filha. 

— Sempre encarei o Homem Onça como uma fábula da era das privatizações, mas o filme virou essa coisa mais familiar. No filme, a empresa estatal é competitiva, saudável, mas passa por um enxugamento brutal para se tornar atraente no mercado. É uma violência, e só quem não se liga na realidade não se dá conta de que isso está ocorrendo de novo com a Petrobras, os Correios — afirma Reis.

O diretor e corroteirista — com Flávia Castro e Fellipe Barbosa — acha importante destacar que começou no cinema numa época crítica: 

— A questão com meu pai foi na segunda metade dos 90. No começo daquela década, quando me voltei para o cinema, houve a grande crise do fechamento da Embrafilme, o cinema brasileiro parecia que não tinha futuro.

Vamos falar do Brasil, nisso Vinicius e Chico estão de acordo.

Entre as notícias e os ensaios

Confira abaixo a entrevista que Chico Diaz concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo.

Estamos falando de Portugal, é isso? O que você faz aí?
Vim para participar da Festa do Teatro de Almada e terminei ficando. Estou ensaiando uma peça que depois queremos levar para o Brasil.

Homem Onça é uma fábula sobre a era das privatizações. Vamos falar sobre o Brasil, como você pediu no debate do filme em Gramado.
Sigo a distância, e muito preocupado, todo esse horror que ocorre por aí. Isso vai ter de acabar. Não é só a pandemia, é tudo. No filme, falamos de um processo que ocorreu há quase 30 anos, e está de volta. O personagem é inspirado no pai do Vinicius (Reis, o diretor). Contaminei-me com a humanidade dele.

Que peça é essa que você ensaia?
Rei Lear, já ouviu falar? (Risos) É uma montagem bem despojada. Só duas atrizes e eu no palco. O teatro aqui já está presencial. Vamos estrear e, no ano que vem, levar para o Brasil.

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