O espancamento de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, até a morte na porta de um supermercado de Porto Alegre, na noite desta quinta-feira (19), lembrou um caso ocorrido na Capital décadas atrás. No dia 14 de maio de 1987, o operário negro Júlio César de Melo Pinto foi executado por policiais militares, ao ser confundido com o assaltante de um supermercado na Avenida Bento Gonçalves.
Os crimes desta quinta e da década de 1980 envolvem homens negros, que não tiveram direito de defesa, e ocorreram em supermercados de Porto Alegre. Nos dois casos, houve ação física contra as vítimas. No episódio ocorrido mais de 30 anos atrás, a diferença é que a vítima foi morta com um tiro na altura do abdômen dentro de uma viatura da Brigada Militar, após ter sido preso, a caminho do hospital. Fotografias de Ronaldo Bernardi, de Zero Hora, antes e depois da saída de Pinto do carro da polícia, comprovaram o crime.
A morte de Pinto, que ficou conhecida como "O Caso do Homem Errado", ganhou um documentário de mesmo título lançado em 2018, sob a direção de Camila de Moraes - sobrinha da vítima. Para relembrar a morte do homem e os fatos ocorridos na sequência, a equipe de filmagem ouviu personagens que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a solução do caso e seu desfecho.
Na época, fazia apenas dois anos que o Brasil voltava a ter um governo civil, e as leis em vigor ainda eram do período da ditadura militar, que durara 21 anos. Então, mesmo quando praticavam crimes contra civis, militares respondiam e eram processados em tribunais próprios.
A morte de Pinto provocou uma grande mobilização, unindo ativistas de direitos humanos e do movimento negro e a imprensa. Manifestações, protestos e notícias foram fundamentais para a comprovação de que o operário era inocente, não tendo participado do assalto, e que fora executado.
No documentário, as diretoras e roteiristas também questionam o nome com o qual o crime ficou conhecido, e que deu título ao próprio filme: "Existe homem certo no caso de execuções?". Outra trágica coincidência, quando o longa-metragem foi lançado em 2018, foi a execução da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro (RJ), uma semana antes.
– Sem acreditar em coincidências, Marielle Franco foi executada no dia 14. Há 30 anos, Julio César também foi executado em um dia 14. Percebemos o quanto ainda é preciso falar, refletir e buscar soluções para essa questão do extermínio da população negra – afirmou Camila, em entrevista a Zero Hora na época.
O Caso do Homem Errado foi julgado duas vezes pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado. Na primeira, dois tenentes foram condenados a 14 anos de prisão e dois cabos e quatro soldados, a 12 anos. Na segunda, um dos tenentes foi absolvido. Os condenados foram expulsos da corporação e cumpriram apenas parte de suas penas.