Do blackface de Al Jolson nos primórdios do cinema falado ao whitewashing agora associado à atriz Gal Gadot, Hollywood mostra que não aprendeu bem lições que não são mais ignoradas pelo público globalizado e multirracial. Maquiar grosseiramente atores brancos como Jolson para figurarem como negros diante da câmera e fazer outros apertarem os olhos para se passarem por orientais eram práticas que atestavam o racismo na indústria cinematográfica e espelhavam a sociedade de seu tempo.
Se esses recursos viraram registro histórico vergonhoso, seguiram em cena exemplos de preconceito e de reforço de estereótipos justificados (ou não) sob pretextos diversos, quase sempre relacionados ao tilintar das bilheterias.
Gal Gadot, atriz israelense consagrada no papel da super-heroína Mulher-Maravilha, foi anunciada como a nova intérprete de Cleópatra no cinema, o que vem provocando uma controvérsia que não se viu quando Elizabeth Taylor viveu a rainha egípcia no épico de 1963 – como ingredientes extras da polêmica estão questões políticas que remetem aos conflitos entre árabes israelenses e também o embate entre quem identifica em Cleópatra raízes africanas e os que lembram sua ascendência grega.
O termo whitewashing reaquecido no episódio faz referência ao processo de "embranquecimento" de personagens de diferentes etnias para que sejam vividos por atores e atrizes brancos e brancas.
GZH recorda abaixo alguns dos exemplos mais conhecidos desse tema.
Orson Welles em Othello (1951)
Welles viveu o personagem-título, o general mouro de William Shakespeare. Em 1965, Laurence Olivier fez o mesmo papel e, ao longo das décadas, outros atores brancos encarnaram o personagem — vivido no filme de 1995 pelo ator negro Laurence Fishburne.
Marlon Brando em Casa de Chá do Luar de Agosto (1956)
Brando era um defensor da diversidade em Hollywood e se empenhou para dar veracidade ao papel, mas não escapou da críticas por sua atuação como japonês Sakini. O personagem é o guia local de um oficial americano em missão de implantar usos e costumes sintonizados com os valores do EUA em Okinawa, após a Segunda Guerra.
John Wayne em Sangue de Bárbaros (1956)
O caubói mais durão do Velho Oeste encarnou nesse filme ninguém menos do que o guerreiro mongol Genghis Khan.
Mickey Rooney em Bonequinha de Luxo (1961)
Colocar atores brancos para viver tipos orientais, algo muito recorrente nos filmes desde o começo do século 20, com o sucesso de personagens como Fu Manchu e Charlie Chan, já não era bem visto quando Rooney encarnou aquele que é um dos mais grotescos exemplos do chamado "yellow face" da história do cinema: o papel do estereotipado Yunioshi, vizinho japonês da protagonista vivida por Audrey Hepburn. O diretor Blake Edwards posteriormente arrependeu-se da escolha do ator.
Natalie Wood em Amor, Sublime Amor (1961)
O consagrado musical que bebe no Romeu e Julieta de Shakespeare mostra a atriz com maquiagem adaptada para convencer como uma apaixonada heroína porto-riquenha.
Angelina Jolie em O Preço da Coragem (2007)
A atriz deu vida a Mariane Pearl, mulher de Daniel Pearl, jornalista do The Wall Street Journal sequestrado e morto por terroristas paquistaneses em 2002. Branca e de olhos claros, Angelina teve de encaracolar os cabelos e usar lentes para encarnar Mariane, francesa filha de mãe cubana.
Rooney Mara em Peter Pan (2015)
O papel da indígena Tiger Lily na aventura, além dos reparos étnicos, conta com o arrependimento da própria atriz. Ela disse, em entrevista ao Telegraph no mesmo ano do lançamento da aventura, que odiava "estar desse lado da conversa sobre o 'branqueamento' de Hollywood" e que conseguia entender "por que as pessoas ficaram chateadas e frustradas".
Juliette Binoche em 33 (2015)
Entre as tantas liberdades tomadas pala escalar o elenco da reconstituição da história dos mineiros chilenos que ficaram soterrados durante mais de dois meses, em 2010, uma foi colocar a atriz francesa de pele alva para viver a familiar de um dos trabalhadores.
Scarlett Johansson em Vigilante do Amanhã (2017)
A escolha da atriz americana para dar carne e osso à personagem foi muito criticada pelos fãs do popular anime japonês Ghost in the Shell.
Joseph Fiennes em Elizabeth, Michael and Marlon (2017)
Se o processo de "embranquecimento" do cantor Michael Jackson foi uma bizarrice que marcou a cultura pop, tão bizarro quanto foi a escalação do britânico Fiennes para interpretá-lo nesse especial de TV sobre lendas urbanas. A produção mostra uma suposta viagem de carro feita por Jackson, Elizabeth Taylor e Marlon Brando após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.