O filme brasileiro Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, recebeu neste sábado o prêmio do júri do Festival de Cannes, dividido com a produção francesa Les Misérables. Bacurau narra a história de um pequeno povoado do sertão perseguido por um grupo de assassinos americanos. O filme é visto como uma mensagem de resistência ao atual governo de extrema-direita do Brasil.
– Trabalhamos para a cultura no Brasil e o que precisamos é de seu apoio – disse Mendonça ao receber o prêmio.
O cineasta já havia competido pela Palma de Ouro em 2016 com Aquarius, e, na ocasião, o realizador e o elenco protestaram contra os rumos da política no país.
– Dedico este prêmio a todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil na ciência, na educação e na cultura – disse o codiretor Dornelles.
O filme se passa em um fictício futuro próximo no Brasil. O povoado de Bacurau, localizado no Sertão do Seridó, desaparece do mapa na internet. Os celulares param de funcionar, deixando os moradores isolados. Assassinos são enviados com carta branca para liquidar todo mundo no local, mas a comunidade se organiza para resistir.
Bacurau, carregado de cenas fortes e com uma estética inspirada nos faroestes dos anos 1970, pode ser visto como um tributo às comunidades rurais do Brasil, que no filme não se deixam intimidar pelo grupo de mercenários que trabalham para as autoridades locais.
– A diferença em relação aos faroestes tradicionais é que os índios eram filmados de longe, só dava para ouvi-los gritar – explicou Dornelles em entrevista concedida à agência AFP durante o festival.
– Em Bacurau, os índios são os loiros de olhos azuis, mas nós nos aproximamos deles e fazemos com que falem.
Consagração nacional em momento irônico
Apesar da participação de Sônia Braga (protagonista de Aquarius) e do alemão Udo Kier (velho conhecido dos fãs de terror e exploitation) Bacurau, segundo Mendonça, é um filme que serve “para suportar a loucura que está acontecendo” com Bolsonaro.
O prêmio vem numa época conturbada para a produção audiovisual nacional. A Ancine, agência que financia a atividade, foi emparedada pelo Tribunal de Contas da União, que questiona a forma como a entidade fiscaliza e aprova seus projetos. A distinção recebida pelos dois longas se soma a outras que o cinema brasileiro já recebeu nas 72 edições do Festival de Cannes. Em 1962, o país recebeu a Palma de Ouro com O Pagador de Promessas e, em 1969, Glauber Rocha venceu como melhor diretor por O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. Também já foram premiadas as atrizes Fernanda Torres, por Eu Sei que Vou te Amar (1986), e Sandra Corveloni, por Linha de Passe (2008).
O Prêmio do Júri é o terceiro mais importante entregue em Cannes, e sua recepção por Bacurau completa uma participação histórica do cinema nacional em 2019 no festival francês, já que o também brasileiro Karim Ainouz levou na véspera o prêmio Um Certo Olhar, a segunda mostra mais importante do festival, com o drama A Vida Invisível de Eurídice Gusmão.
Esses dois reconhecimentos no maior festival de cinema do mundo “chegam em um momento relativamente irônico”, disse Mendonça, na coletiva de imprensa após a cerimônia.
– Há (no Brasil) uma nova política de financiamento do cinema há 15 anos, e agora temos a impressão que esse financiamento público a favor da arte será objeto de golpes sombrios – desabafou.
– Vamos continuar fazendo filmes em contato com a realidade – garantiu Dornelles.
Perguntado se convidaria o presidente Bolsonaro para ver o filme, Mendonça respondeu:
– Ele tem todo o direito de ser convidado para ver Bacurau, e talvez goste.