Um letreiro logo no início de Compra-me um Revólver, filme mexicano dirigido por Júlio Hernández Cordón, posiciona a narrativa em algum futuro não muito distante em que, como costuma acontecer nesses casos, o mundo está fora dos eixos: “México, data indefinida. Tudo, absolutamente tudo é controlado pelos cartéis. A população diminuiu devido à falta de mulheres”.
Com essa advertência econômica, logo somos apresentados à rotina desesperançada de Huck, uma menina de 10 anos de idade, e seu pai, que trabalha como zelador em um campo de beisebol usado para a recreação dos soldados e oficiais de um cartel de traficantes. São os detalhes que denunciam o caráter doentio da realidade circundante: os homens jogam com fuzis sempre a tiracolo; Huck ajuda seu pai buscando cervejas e bolas jogadas para fora do campo, mas caminha atada a uma corrente e usando máscara feita de papel machê. A máscara, o cabelo curto, as roupas masculinas largas são disfarces impostos pelo pai para que Huck não seja vista como uma menina — a família já teve sequestradas a mãe e a irmã, levadas como troféu pelos chefes do cartel.
Rogelio, o pai de Huck tenta proteger a filha como pode, mas aqui não há nada da obstinação cuidadosa de Viggo Mortensen em A Estrada (2009). Rogelio é um viciado que recebe drogas como pagamento por seu serviço, o que pode explicar a falta sequer de um plano de fuga para pôr a filha em segurança. Certa noite, Rogelio, que também é trompetista, recebe a ordem de reunir sua banda para tocar no aniversário de um chefe de cartel e levar seu filho junto. A festa acaba mal e Huck e um grupo de outras crianças suas amigas precisam dar um jeito de escapar.
Como nas mais impactantes distopias, o que perturba de verdade em Compra-me um Revólver não é a estranheza, mas a familiaridade. O mundo árido e violento retratado no filme é muito semelhante à violência real do tráfico mexicano (ou do tráfico ou das milícias no Brasil). A forma alegórica da narrativa, contudo, parece não saber como concentrar a força de sua premissa, e os episódios do filme, embora impactantes, resultam um tanto desconexos.
Compra-me um Revólver
De Júlio Hernández Cordón. Drama, México, 2018, 84min, 16 anos. Em cartaz.