A Roma do filme de Alfonso Cuarón (revisitada pelo cineasta conforme descrito nesta reportagem) é a de sua infância, nos anos 1970, mas já continha em seus traços o caos das supermetrópoles contemporâneas, sobretudo pelos encontros que proporcionam – entre pessoas de classes, culturas e comportamentos bem diferentes entre si.
Uma curiosidade é que, ao mesmo tempo em que é um ícone desse tipo de encontro – tanto quanto o Rio de Janeiro –, a Cidade do México se tornou, nas décadas seguintes, um local repleto de condomínios murados, espécies de ilhas nas quais, não por acaso, a aproximação dos diferentes é limitada, ou evitada.
Em um dos melhores filmes mexicanos recentes, as relações sociais a partir desse isolamento foram postas em xeque: Zona do Crime (de Rodrigo Plá, 2007) é um longa sobre um assassinato em um desses condomínios – e a explosão de preconceitos e dificuldades de convivência advindas do episódio. Evitar os encontros não evita a violência – pelo contrário. Para alguns, cohabitar o mesmo espaço do outro pode ser difícil, mas afastar-se como quem se livra dele é bem pior.
No fundo, o caos das cada vez mais heterogêneas grandes cidades é um tema natural para cinematografias de países desiguais – caso da América Latina como um todo. Se os “cinemas novos” dos anos 1960, no México, no Brasil e também na Argentina, buscavam abordagens da vida em comunidades ou províncias, na contemporaneidade as representações da desigualdade passam, em parte, pelos encontros dos diferentes nas metrópoles. Basta pensar na “nueva onda” argentina, surgida em 2000, mesmo ano do icônico filme mexicano Amores Brutos, de Alejandro Iñárritu, que pensou esses encontros a partir da violência – mote semelhante ao de brasileiros como Cidade de Deus (de Fernando Meirelles, 2002) e O Invasor (Beto Brant, 2001).
Mais recentemente, as casas tornaram-se microcosmo da explosão causada pelo choque da convivência com o outro. Pouco antes de Roma, houve Doméstica (Gabriel Mascaro, 2012), Que Horas Ela Volta? (Anna Muylaert, 2015) e Casa Grande (Fellipe Barbosa, 2014), produções brasileiras problematizadoras das relações entre a classe média e suas empregadas domésticas. Não é de hoje que há domésticas nas residências dessa classe. Mas o olhar para elas se atualizou nesses filmes.
É algo que chama atenção em Roma: o longa de Cuarón faz uma ponte entre o passado que sobrevive na memória, mas que se atualiza com um olhar que entrega inquietações do presente – que são compartilhadas por outros cineastas, como se vê.
A estilização das imagens de Roma, que incomoda parte da crítica, tem a ver com esse olhar distanciado. O preto e branco de granulação mínima e os movimentos de câmera superelaborados não artificializam o discurso, como creem alguns críticos. Só escancaram, isso sim, sua inevitável idiossincrasia. Não há como olhar o que se foi ontem sem se desvencilhar do que se é hoje.