Yalitza Aparicio, estrela de Roma, dirigido por Alfonso Cuarón, sentou-se sob o sol em um banco do Parque México, a apenas algumas quadras do bairro que dá nome ao filme. Ela escolheu o parque para nossa conversa após meses de tapetes vermelhos, sessões de fotos e coletivas de imprensa em quartos de hotel por achar que era o lugar mais parecido com sua terra natal, Tlaxiaco, Oaxaca.
Aparicio, hoje com 25 anos, tinha acabado de concluir sua formação em pedagogia e estava vivendo naquela cidade montanhosa de 40 mil habitantes quando, por impulso, decidiu fazer o teste para o papel principal de Roma, uma empregada e babá chamada Cleo. Agora, Aparicio está sendo considerada um exemplo a ser seguido por mulheres e indígenas mexicanas, e os críticos estão eufóricos com sua performance.
Ela é muito reconhecida hoje em dia?
— Não! Aqui? Bem, não. Eles só me reconhecem quando estou toda arrumada, mas, se me visto de maneira natural, não. Acredito que muitas pessoas ainda não assistiram ao filme, e somos diferentes na tela do que ao vivo — disse Aparicio em espanhol.
No parque, há muita atividade naquele momento — pessoas correndo sob a sombra de jacarandás e palmeiras, passeadores de cachorros segurando coleiras de dezenas de animais, profissionais trabalhando em mesas de café. A primeira vez que veio aqui foi há dois anos, durante as filmagens.
— Eu me sinto mais livre aqui do que cercada por prédios e sem espaço. Nunca gostei de me sentir enclausurada — revelou Aparicio.
Em poucos minutos, ela estava cercada por outra coisa: fãs. Um a um, foram surgindo, observando-a de longe, e então se aproximavam, apertavam sua mão e faziam selfies. Ela se mostrava satisfeita.
— Parabéns, Yali, filme incrível, incrível. Cresci aqui, me fez lembrar muitas coisas. Tive uma babá, tudo isso. Acho que chorei umas cinco vezes enquanto assistia.
— É você, mesmo? Pode tirar uma foto nossa?
No México, Roma é mais do que o projeto pessoal de um diretor famoso. O filme começou uma discussão nacional sobre a desigualdade, o tratamento dado a trabalhadores domésticos e quem é ou não bem-vindo ao tapete vermelho em um país em que as mulheres indígenas são raramente vistas em revistas, muito menos em premiações de Hollywood.
Em dezembro, Aparicio estampou a capa da Vogue mexicana, um marco nos vinte anos de história da revista para uma mulher descendente de indígenas. Mas a atriz não fica feliz de ser a exceção; ela quer usar seu poder de estrela emergente para contribuir para um futuro mais inclusivo em seu país.
— O status e as roupas não deveriam importar — você pode conquistar qualquer coisa que desejar — argumentou.
Mesmo antes de o filme estrear na Netflix, em dezembro, havia sinais de mudança: naquele mês, a Suprema Corte do México decidiu que os mais de dois milhões de trabalhadores domésticos, mulheres em sua vasta maioria, deverão ter acesso ao sistema de seguridade social do país. O atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, prometeu dar atenção especial para diminuir a opressão e a pobreza enfrentadas pela população indígena.
Apesar de Cuarón não ter tido a intenção de fazer um filme político, ele está abraçando as consequências. Numa exibição em dezembro, na Cineteca Nacional, na Cidade do México, ele chamou ao palco uma defensora dos direitos das empregadas domésticas, Marcelina Bautista.
— Todas as trabalhadoras domésticas do México são como Libo, nos identificamos com ela. O México tem uma grande dívida com suas mulheres e devemos acabar com a violência e o abuso de poder sobre elas — discursou Bautista para a audiência, referindo-se à babá que Cuarón teve na infância, Liboria Rodríguez, em quem o papel de Cleo foi baseado.
Mesmo com todo o sucesso de Aparicio, ela vem sofrendo ataques racistas online. Ela disse que, embora inicialmente isso a tenha chateado, agora está focada em quem a chama de modelo a ser seguido e nos fãs que lhe enviam presentes.
— Não sou a cara do México — complementou, já que o país é multifacetado.
A editora-chefe da Vogue México e Vogue América Latina, Karla Martinez de Salas, disse que testemunhou as reações racistas e classistas às fotos de Aparicio na Vanity Fair e temeu que as imagens da Vogue pudessem gerar respostas semelhantes. Mas, pelo contrário, elas receberam a maior aceitação nas redes sociais da história da publicação.
No parque, Aparicio se sentou de frente para o sol. Sua melhor amiga na vida real e no filme, Nancy García García (que interpreta Adela, a cozinheira), lhe disse que ela parecia cansada nos últimos dias. Ela se sente cansada. Em agosto, Aparicio foi a Veneza para a estreia de Roma, onde assistiu ao filme pela primeira vez. Ela tentou controlar a emoção, mas, após 30 minutos do início, começou a chorar e não parou até subirem os créditos. Desde então, tem enfrentado um turbilhão de viagens: Londres, San Francisco, Nova York, Toronto e Los Angeles, entre outras.
A verdadeira jornada, no entanto, começou dois anos antes. O diretor de um centro cultural de Tlaxiaco tinha convidado a irmã mais velha de Aparicio, Edith, para um teste de elenco misterioso, que viria a ser o projeto cinematográfico de Cuarón retratando Cleo e a Cidade do México dos anos 1970. A escolha da personagem principal foi um processo que durou meses, durante os quais Cuarón assistiu a fitas de mais de três mil mulheres, sem achar nenhuma apropriada para o papel. No teste, Edith Aparicio, que estava grávida, hesitou e implorou para que Yalitza fizesse o teste em seu lugar e lhe passasse os detalhes.
Cuarón a conheceu quando ela voltou para um novo teste.
— Estava começando a ficar ansioso, até que, de repente, Yalitza entrou no escritório, e foi aquela presença, meio tímida, mas muito aberta. É a maneira como se aproxima de todos, sua atitude nos lugares, garantindo que as pessoas, particularmente as mais vulneráveis, estejam bem — lembrou Cuarón por telefone.
Ele procurava alguém que tivesse a sensibilidade de Libo, uma maneira empática de se relacionar com os demais. Mas quando o diretor disse a Aparicio que gostaria que ela estrelasse o filme, ela vacilou, pois tinha acabado de concluir sua formação em pedagogia e precisaria conversar com a família. Logo depois, Aparicio ligou. As inscrições para as vagas de professora ainda não haviam sido abertas.
— Ela disse: "Bem, acho que posso aceitar, não tenho nada melhor para fazer" — recordou Cuarón.
Para a preparação das filmagens, Cuarón pediu que Aparicio e García improvisassem algumas cenas. Ele ficou maravilhado de ver como elas rapidamente entraram nas personagens de Cleo e Adela.
— O que você vê no filme não é Yalitza, é Cleo. Ela esculpiu aquela personagem, entende? E fez isso de uma maneira muito detalhada — elogiou Cuarón.
Os atores não receberam um script ou mesmo uma sinopse. Para ajudá-la, Aparicio contou com o complexo mundo do set, baseado nas memórias de infância de Cuarón, e com sua própria visão da personagem, em parte influenciada pela experiência de sua mãe como empregada doméstica.
Aparicio não sabe ainda se continuará atuando. Como professora, ela reconhece que o filme pode transmitir mensagens poderosas. Moldar a mente e o coração de crianças é muito mais fácil do que mudar as crenças arraigadas de adultos, comparou; por isso, ficou maravilhada ao descobrir que Roma está conseguindo justamente isso.
— No fim das contas, não é tão diferente do que eu queria fazer. Percebi que filmes podem educar pessoas de todas as idades e de todos os lugares — concluiu.
Por Laura Tillman