Era uma manhã do começo de novembro quando uma mulher segurando uma bolsa de mão de couro vegano chegou a uma sala de projeção na zona oeste de Hollywood determinada a falar com Richard E. Grant.
— Com licença, só quero perguntar uma coisa a você — dizia enquanto abria caminho em meio a uma multidão de britânicos expatriados que estavam lá para homenagear a atuação do conterrâneo em Poderia me Perdoar?, um dos cotados à indicação na categoria de melhor ator coadjuvante no Oscar 2019.
No drama baseado em uma história real, Grant, 61 anos, interpreta um cara implicante, encantador e libertino chamado Jack Hock. A maneira como aquela jovem mulher se apresentou a ele me lembrou da maneira como Hock se aproxima de Lee Israel (papel de Melissa McCarthy) e rapidamente se torna seu parceiro em um esquema de falsificação lucrativo.
Na sala de projeção, Grant, com seus quase dois metros de altura e vestindo um colete Union Jack, abaixou-se para cumprimentar a interpelante, que perguntou:
— Você acha que é um golden retriever? — Grant olhou surpreso, enquanto a pergunta e a bolsa de mão pairavam no ar.
Conheci o artista naquela manhã, quando o ator chegou à coletiva de imprensa que durou uma hora, mas que ele tinha certeza de que estaria vazia.
— Acordei às cinco da manhã por causa do fuso horário e pensei: "Quem vai querer participar de uma conversa às 10h?" — me contou com sua voz rebuscada, ao que um jovem relações-públicas respondeu:
— As pessoas chegaram às 9h.
O evento foi organizado para os membros votantes do Bafta, o equivalente ao Oscar britânico, e foi a última parada de um tour promocional com o objetivo de impulsionar a nomeação de Grant a melhor ator coadjuvante na corrida pela premiação. Nas semanas subsequentes, o ator seria ainda nomeado para o Globo de Ouro e o Prêmio SAG, mas, no dia em que o acompanhei, ele ainda se perguntava se todos aqueles eventos dariam em alguma coisa. Esse tipo de campanha era nova para Grant, que conseguiu seu primeiro papel em um filme de 1987, a comédia cult Os Desajustados, apenas porque um iniciante e promissor Daniel Day-Lewis o recusara.
Enquanto Day-Lewis se tornou uma estrela que dispensa introduções e o único homem a ganhar três vezes o Oscar de melhor ator, Grant caiu nas mãos de um professor de atuação que lhe dizia que ele tinha "uma mandíbula muito longa e fina, uma cara chapada e feições lúgubres" que o impediriam de conquistar um papel principal. Isso não impediu Grant de seguir na carreira: quando críticos do seu primeiro filme usaram os mesmos termos pejorativos para descrevê-lo, ele pensou:
— Bom, pelo menos consegui o papel — disse Grant.
Desde então, não parou de trabalhar, mostrando seu vigor único e cômico em aparições como convidado em seriados que incluem Game of Thrones e Girls e em filmes tão diversos como Assassinato em Gosford Park e Hudson Hawk – O Falcão Está à Solta. Mesmo assim, um ator pode fazer esses papéis coadjuvantes por muito tempo sem ser reconhecido, o que torna esse momento tão especial para Grant.
O ator, que tem o costume de manter um diário e é bastante detalhista, se mostrou confortável diante da multidão de membros do Bafta, desfiando anedotas sobre sua carreira com o talento de um contador de histórias. Perguntaram a ele como era interpretar um alcoólatra tanto em Os Desajustados como em Poderia me Perdoar? embora ele seja abstêmio, fato que, de tão efusivamente mencionado em sua página na Wikipedia, é lembrado em toda entrevista.
Grant respondeu com determinação que experimentou álcool uma vez e percebeu que era alérgico; além disso, diz ter aprendido muito sobre bebida com seu pai, um alcoólatra que foi ministro da educação na Suazilândia (país africano) e que tentou atirar nele quando o ator tinha 15 anos.
— De tão bêbado, errou o tiro — relembrou.
Esse é o tipo de vida que dá margem a perguntas excêntricas, mas depois da reunião do Bafta até mesmo ele se viu confuso quando a mulher da bolsa vegana perguntou se ele se achava um golden retriever, complementando a pergunta:
— Porque eu acho. Tenho um e eles são muito amigáveis com todo mundo.
— Concordo — retrucou Grant, apesar de mais tarde ter divagado comigo que sua consistente trajetória como ator coadjuvante não lhe permitiria interpretar um golden retriever. — Fisicamente, sempre me senti como um flamingo. Metendo o bico nas histórias e na vida de outras pessoas. Isso é o que me estimula — confessou.
Jack Hock é uma dessas pessoas, e o personagem está muito mais próximo de ser um cão de caça do que o ator por trás dele: Hock sente tanto prazer com uma boa fofoca que só falta abanar o rabo enquanto conta uma. Além disso, fareja problemas como ninguém e prova não ser confiável para guardar uma casa, mas, mesmo assim, é tão adorável que Israel não consegue dispensar sua amizade.
Em um almoço após o encontro do Bafta, Grant me contou que se divertiu fazendo o filme, mas que não esperava que fosse ser rentável. Depois da primeira exibição do filme ainda não finalizado, "não sabia o que pensar, achei que fosse direto para DVD", confessou. A projeção seguinte, já com trilha sonora e diante de uma audiência, convenceu Grant de que a história tinha mais a oferecer: à medida que suas cenas cômicas ficavam mais ácidas, as pessoas iam à loucura.
Em setembro, a Fox Searchlight levou Grant e McCarthy ao Festival de Cinema de Telluride, no Colorado, e o filme foi recebido com ainda mais entusiasmo. As ótimas críticas recebidas pela indústria levaram os executivos do estúdio a perguntar a Grant se ele estaria livre de novembro a janeiro.
— Disse que estava esperando a resposta para participar de uma peça e eles responderam: "Bom, esperamos que você não consiga" — relembrou.
O estúdio queria Grant livre para os meses de festas, entrevistas e projeções que fazem parte da campanha para o Oscar.
— Eu parecia um cachorro descendo uma duna de areia com as pernas para cima — divertiu-se o ator. Ainda está cedo, mas ele aderiu ao circuito com gosto, participando de todas as cerimônias e eventos em Nova York e Los Angeles.
— Estou aproveitando cada segundo antes que esse momento acabe, porque sei que em breve outra pessoa estará no meu lugar.
Mais tarde naquele dia, encontrei Grant no camarim antes do The Late Late Show With James Corden, onde um produtor de cena, que o preparava para o programa, lançou a pergunta:
— Então você interpreta um alcoólatra nesse filme, mas, na vida real, é abstêmio? — o ator assentiu com a cabeça.
Ele estava lá com McCarthy para promover Poderia me Perdoar?, mas sabia que, perto de uma estrela que é sucesso de bilheteria como ela, teria de ser coadjuvante também na vida real. Quando entraram no ar, Corden perguntou à atriz:
— Explique para nós, meros mortais: como é ser um ícone?
Para Grant, a primeira pergunta foi sobre seu papel em O Mundo das Spice Girls.
Quando o segmento deles acabou, e ambos os atores tinham participado de uma versão do jogo The Price Is Right, Grant voltou ao camarim e se jogou em uma cadeira, exausto.
— James sabe quem sou na Inglaterra, mas o público daqui não conhece os filmes que ele mencionou — desabafou, mostrando certa ansiedade. Mesmo assim, a energia sem limites do apresentador o impressionou, parecia um... bem, um golden retriever. — Ele tem uma confiança inata e isso é maravilhoso de ver em um ator. Ele simplesmente não tem amarras.
Deu para perceber que Grant estava tentando aprender com Corden. Quando este perguntou como ele conseguia interpretar tão bem um alcoólatra apesar de décadas de sobriedade, o artista encarnou o entusiasmo do apresentador como se estivesse escutando aquela pergunta pela primeira vez. Percebi que ele provavelmente teria de passar os próximos três meses dando versões variadas à mesma pergunta, e apenas um ator coadjuvante exemplar poderia fazer uma fala durar tanto tempo.
— Três meses? —perguntou. Esse era o tempo que faltava até fevereiro e o Oscar. Grant fez as contas mentalmente e sorriu. — Três meses, vou cobrar isso de você — repetiu, preparando-se para cumprir a profecia.
Por Kyle Buchanan