Criado por Todd McFarlane e David Micheline em 1988, Venom é, sem dúvida, o mais popular entre os vilões recentes do Homem-Aranha (a maioria dos adversários mais clássicos, como Duende Verde e Doutor Octopus, surgiram ainda nos anos 1960). Ele também marca uma espécie de “choque de gerações” entre fãs de quadrinhos — leitores mais velhos que acompanhavam as histórias antes de suas primeiras aparições não embarcam no apelo do personagem, popularíssimo entre os mais jovens devido ao impacto visual e à violência desabrida do monstrengo, um devorador de pessoas e assassino maníaco.
Venom, o longa-metragem no qual a Sony apresenta seu ambicioso projeto de criar uma série de filmes com vilões do Homem-Aranha sem o próprio Homem-Aranha (que, graças a um acordo dos dois estúdios, agora saracoteia suas teias no universo integrado da Marvel), já de saída é forçado a modificar o material original, uma vez que, neste filme sem Peter Parker, Venom é o vilão mastigador de cérebros das histórias em quadrinhos e também um anti-herói justiceiro.
No filme, Tom Hardy interpreta o jornalista Eddie Brock. Repórter investigativo cabeça-dura com ares de estrela de uma rede de TV de San Francisco, ele cai em desgraça após questionar, durante o que deveria ser uma entrevista chapa-branca, as motivações sinistras por trás das ações do magnata multimilionário Carlton Drake (vivido por Riz Ahmed, de O Abutre e da série The Night Of). A retaliação do empresário faz Hardy perder seu emprego. Na sequência, a noiva de Brock, a advogada Annie (Michelle Wiliams), o abandona, já que o repórter pouco ético roubou do computador dela informações confidenciais que usou em sua investida contra Drake.
Nos quadrinhos, a origem de Venom está ligada ao Homem-Aranha. Após ser raptado com outros heróis para um planeta desconhecido onde deveria enfrentar um grupo de supervilões na saga Guerras Secretas, o herói volta de lá com um uniforme negro obtido numa máquina. Só após uma longa série de histórias é revelado que o uniforme na verdade é um ser vivo que estava se ligando ao corpo de Peter Parker, a identidade secreta do herói. Expulso, o simbionte se liga a Brock, um repórter medíocre rival de Parker.
Para o filme, essa história precisou de adaptações. Drake, o "vilão do filme" — ou o vilão mais malvado, digamos —, é um tipo de Elon Musk investindo em pesquisas para colonização de outros planetas. A certa altura, um de seus voos teste encontra uma colônia de criaturas alienígenas em formato de geleca consciente — e quatro delas são trazidas para a Terra. Os seres são simbiontes, ou seja, só conseguem sobreviver no planeta Terra se ligarem-se a corpos humanos — o processo é traumático e normalmente termina com a morte do hospedeiro, devorado por dentro, mas determinados humanos são mais compatíveis com o simbionte do que outros.
Claro que, por coincidência, Brock, que certa noite invade o laboratório para investigar uma denúncia contra Drake, vem a ser o humano mais compatível com uma das gelecas em particular. O alienígena se conecta a ele, e ambos formam a entidade superpoderosa Venom, que basicamente é uma versão turbinada, psicótica e assassina do que você já viu o Homem-Aranha fazer nos cinemas.
Cenas de ação confusas e ausência de foco
O filme é dirigido por Ruben Fleischer — conhecido por boas produções que misturam elementos de gênero e pegada indie, como Zumbilândia e 30 Minutos ou Menos. Aqui, no entanto, o respiro de originalidade que o diretor havia conseguido injetar no também bastante saturado gênero zumbi parece ter sido a primeira coisa estraçalhada pelos dentes do protagonista. Embora Tom Hardy esteja se dedicando ao projeto mais do que seria de se esperar de um ator com tão grandes qualificações técnicas, o andamento é uma enfiada de clichês saídos de manuais básicos de roteiro.
Apesar de algumas boas cenas apelando para o humor, o que mais chama a atenção em Venom é como aquilo que deveria redimi-lo, a ação, parece espelhar seus principais problemas. As sequências de luta e perseguições são de uma confusão atroz — a última delas, uma lamentável batalha entre duas gelecas de computação gráfica. O filme parece pôr em xeque o potencial da série que a Sony planeja com vilões do Aranha e sem o herói. Ao transformar Venom em anti-herói em um filme para o público em geral, a produção mediana perde o foco: não há a sanguinolência gore que seria de se esperar do Venom dos quadrinhos, e fica a dúvida do apelo de um anti-herói com um caráter tão dúbio em um típico filme-família.
Cotação: regular