Autora que se tornou objeto de uma retomada editorial nos últimos anos, com sua obra reeditada e sua figura reconhecida e homenageada em eventos populares como a Flip, Hilda Hilst talvez tivesse como uma das suas características definidoras, na obra e na vida, uma fome desmesurada por transcendência, uma necessidade dolorida de contato com a experiência mística, algo que ela abordou tanto em sua poesia quanto em sua prosa. E também, em sua vida, já que, durante o fim dos anos 1970, dedicou-se a experiências para tentar gravar sons do além nas ondas de rádio.
É essa a abordagem escolhida pela diretora Gabriela Greeb para costurar a narrativa de Hilda Hist Pede Contato, filme sobre a autora em cartaz na Capital. A produção não é um documentário no sentido tradicional, e é bom que isso esteja sabido de antemão. Alguém que teve a curiosidade despertada para a vida da autora pela recente exposição de seu nome estaria melhor servido em seus objetivos lendo a biografia recente de Hilda, Eu e Não Outra, ou sua compilação de entrevistas, Fico Besta Quando me Entendem. O filme é outra coisa, uma mensagem lançada no escuro para uma mulher que estava à procura de sinais do invisível.
Hilda Hilst Pede Contato não se preocupa em alinhavar fatos e datas ou mesmo traçar um panorama de Hilda e seu tempo. É, antes, uma abordagem poética e afetiva que procura dialogar com a obra da autora – nesse sentido, filia-se a uma linhagem recente que inclui Só Dez Por Cento É Mentira (2008), filme de Pedro Cezar sobre Manoel de Barros, ou Para Sempre Teu, Caio F., de Candé Sales (2014). Mas a obra de Gabriela Greer sobre Hilda é ainda mais radical em suas opções estéticas. Há sim aqui e ali depoimentos de amigos e pesquisadores da obra da Hilda, como Jorge da Cunha Lima ou Alcir Pécora, mas o fio condutor central é a reencenação de momentos de Hilda em seu retiro, a Casa do Sol, em Campinas, à frente de um gravador de rolo no qual ela tentava registrar sons do outro mundo.
Gabriela reproduz a voz de Hilda diretamente de fitas gravadas entre 1974 e 1979, nas quais a autora fazia experiências à noite tentando captar no ruído branco das ondas de rádio o "povo cósmico" ou os "habitantes de outra dimensão", como ela mais de uma vez se refere aos mortos. É esse "o contato" a que se refere o título, com Hilda, inspirada pela leitura de obras de física e parapsicologia, tentando estabelecer e gravar um diálogo com possíveis interlocutores com quem gostaria de se comunicar, como Cacilda Becker, Clarice Lispector, Vladimir Herzog e mesmo ídolos de sua trajetória que ela jamais conheceu pessoalmente, apenas pela leitura atenta de seus livros, como o escritor grego Nikos Kazantzakis. A voz é de Hilda, em cenas de bela fotografia nas quais a artista é representada em suas tentativas de contato com o além pela atriz Luciana Domschke. É um diálogo profundo com a obra de Hilda. E, como tal, só fará sentido a quem já a conhece.
Hilda Hilst Pede Contato
De Gabriela Greeb
Documentário, Brasil, 2018, 72 minutos, 12 anos. Em cartaz no Guion Center 3 (13h50min e 18h15min)