Novo filme de um dos últimos grandes diretores da história do cinema ainda em atividade é, por si, um evento a ser celebrado. E, diferentemente de outros gigantes que chegam ao fim da carreira acusando a falta de fôlego e criatividade, Roman Polanski mostra-se em plena forma, aos 84 anos.
Não que Baseado em Fatos Reais, em cartaz a partir de quinta-feira (12), seja um filme memorável do realizador franco-polonês que assinou, entre outros clássicos, títulos como Repulsa ao Sexo (1965), O Bebê de Rosemary (1968) e Chinatown (1974). Mas estão presentes no filme estrelado por Emmanuelle Seigner, mulher do diretor, e Eva Green, e de forma muito efetiva durante boa parte da narrativa, aqueles elementos dramatúrgicos que Polanski consagrou como marca autoral e domina com maestria: o suspense psicológico e, aqui de forma mais discreta, a tensão erótica.
Acompanha-se os desdobramentos da relação de poder e dominação entre uma escritora famosa, Delphine (Emmanuelle), e uma admiradora que conhece numa sessão de autógrafos, Elle (Eva). Apesar do sucesso e da idolatria que desperta, Delphine está física e emocionalmente prostrada. Não consegue dar partida em um novo projeto e recebe cartas anônimas lhe acusando da apropriação de dramas alheios em seus relatos confessionais. Elle, que ganha a vida como ghost-writer de celebridades, vira confidente de Delphine, depois assistente e logo avança sobre a nova amiga como uma vampira, impondo um processo de simbiose e até mesmo mimetismo físico. A aparentemente passiva Delphine, por sua vez, pode estar fazendo da experiência matéria-prima para preencher as páginas em branco que lhe atormentam.
Polanski navega por rotas recorrentes da dramaturgia, que, no cinema, já resultaram em produções que vão da densa sofisticação narrativa apresentada por Ingmar Bergman em Persona (1966) ao thriller pop Mulher Solteira Procura (1992), de Barbet Schroeder, entre outras referências.
Baseado em Fatos Reais adapta o livro lançado em 2015 pela francesa Delphine de Vigan, publicado no Brasil pela Intrínseca. Polanski tem como parceiro na escrita do roteiro outro bamba, o cineasta francês Olivier Assayas. Nesse jogo de quem manipula quem, acaba um tanto diluída a abordagem do tema central do texto: crítica à obsessão contemporânea por narrativas embebidas na realidade, por vezes disfarçadas na chamada autoficção, como o romance original, em detrimento do livre exercício da ficção.
Os ingredientes polanskianos não são alinhavados em Baseado em Fatos Reais com a firmeza vista nos longas mais recentes do diretor – a exemplo de O Escritor Fantasma (2010) e A Pele de Vênus (2013). Ao engendrar seu suspense, Polanski destensiona a corda que amarra suas ambíguas personagens talvez um pouco antes da hora, perceberá o espectador atento. O que se tem até então, porém, é um cinema bastante acima da média abastece o circuito comercial.
Baseado em Fatos Reais
De Roman Polanski
Suspense, França/Bélgica, 100 min, 2017, 12 anos.
Estreia quinta-feira (12)