Em um apartamento na Rua Cel. Bordini decorado de acordo com referências dos anos 1980, a equipe do longa-metragem Mudança filma a cena em que Reinaldo, um sociólogo com aspirações políticas interpretado por Gustavo Machado, recebe uma má notícia do amigo Henrique, papel de Fernando Alves Pinto. O diretor e roteirista Fabiano de Souza prefere não revelar o teor da notícia para não estragar a surpresa, mas se sabe que ela provocará em Reinaldo certo sentimento de inadequação frente a transformações em curso – em sua vida e no Brasil.
Sobrepondo dramas pessoais e históricos, o longa gaúcho que será lançado em 2019 exibe três jornadas: a relação entre Reinaldo e o filho de 14 anos, Caio (vivido pelo ator Guili Arenzon), e suas experiências individuais no dia 15 de janeiro de 1985, quando retornam da praia para acompanhar, na Capital, a festa que celebra a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência do Brasil depois de 21 anos de ditadura. As filmagens do longa coproduzido entre a Rainer Filmes e a Prana Filmes seguem até 26 de fevereiro em Porto Alegre, com locações no Centro e na Zona Sul, e no Litoral, entre as praias de Curumim e Arroio Teixeira. O elenco também contará com Rosanne Mulholland, Maria Carolina Ribeiro, Nelson Diniz e Lui Strassburger, entre outros.
Gustavo Machado, que viveu Ronaldo Bôscoli no filme Elis (2016), avalia que seu personagem está "no olho de um furação existencial":
– Reinaldo é um sujeito de meia-idade mexido pela mudança de paradigma do país, que está voltando à democracia. Por um lado, há essa euforia pelo país. Por outro, sente que está ficando de fora do novo esquema. Ele se questiona até que ponto essa mudança é profunda e o quanto precisará se transformar para se adequar a esse novo Brasil.
Já o estreante Guili Arenzon, 13 anos, vive Caio, o filho de Reinaldo, que está mais preocupado com as bandas de rock e com as meninas do que com os rumos da nação:
– Caio é um menino tímido, mas se solta quando tem um motivo real para isso. Está vivendo aquela parte da adolescência em que quer descobrir as coisas do mundo. Naquela época, as pessoas eram mais livres para brincar na rua. Hoje, está mais perigoso.
Um filme sobre o retorno da democracia parece apropriado para estrear em um momento de crise da democracia, mas o diretor explica que essa relação não havia de forma tão explícita quando o projeto começou, em 2009. A ideia partiu de um episódio autobiográfico de Fabiano de Souza, que em 1985 fez um itinerário similar ao dos protagonistas, retornando da praia para a Capital com o pai e o irmão para acompanhar a repercussão da eleição de Tancredo. Sua premissa foi retratar a época de uma forma "não binária":
– Não queria simplesmente opor os que eram a favor da democracia e os que eram a favor da ditadura. Olhando em retrospecto, já havia ali o que se chama de democratização pactuada. Claro que havia uma esperança muito forte, mas quando começamos a pesquisar encontramos pequenas fissuras na história. Quando um grupo chega ao poder e não tem o número suficiente de cargos para entregar, como fazem os que ficam de fora?
O diretor entende uma espécie de trajeto pessoal que liga este seu terceiro longa aos dois anteriores:
– A Última Estrada da Praia (2010) é um filme sobre amigos, Nós Duas Descendo a Escada (2016) fala de um relacionamento amoroso e este aborda a relação entre pai e filho. Minha esposa brinca que o próximo será em um asilo (risos). Quando escrevi Mudança, eu me identificava com o filho. Passaram-se tantos anos que agora me identifico com o pai.