O momento de polarização política vivido pelo país chegou de vez ao Cine PE, um dos principais festivais de cinema do Brasil. Previsto para ocorrer entre os dias 23 e 29 de maio, no Cinema São Luiz, em Recife, o festival divulgou nesta quinta-feira nota confirmando o adiamento da edição deste ano. Uma nova data para a realização ainda não foi confirmada.
Na última segunda-feira, a organização do evento divulgou a lista de filmes concorrentes. A escolha do documentário O Jardim das Aflições, sobre o pensamento e a rotina de Olavo de Carvalho, e o longa-metragem Real - O Plano por Trás da História, que trata sobre a criação do Plano Real, geraram insatisfação entre cineastas envolvidos na mostra. Na quarta-feira, sete diretores anunciaram a retirada de suas produções da programação do festival.
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– Constatamos que a escolha de alguns filmes para esta edição favorece um discurso partidário alinhado à direita conservadora e grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao Estado democrático de direito ocorrido no Brasil em 2016. Para nós, isso deixa claro o posicionamento desta edição, ao qual não queremos estar atrelados – dizia texto assinado pelos representantes das obras A Menina Só (SC), Abissal (CE), Baunilha (PE), Iluminadas (PE), Não Me Prometa Nada (RJ), O Silêncio da Noite É Que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras (PE) e Vênus – Filó a Fadinha Lésbica (MG).
Confira a nota divulgada pelo Cine PE nesta quinta-feira:
A Direção do Cine PE, em função das manifestações contrárias à programação do evento, que proporcionaram a retirada de alguns dos filmes selecionados, dirige-se ao público em geral, para esclarecer os pontos e comunicar as seguintes decisões:
1. Que ao longo de 20 anos de realizações, que tornaram o Festival uma das referências nacionais do setor, todas suas programações, indistintamente, foram pautadas pelo respeito aos valores básicos da liberdade, quais sejam o direito de expressão, o respeito à pluralidade e o combate ao instrumento da censura;
2. Que, por isso mesmo, jamais houve quaisquer formas de politização das programações, pois com uma simples pesquisa sobre as edições passadas, facilmente será revelado que o Festival sempre se pautou em mostrar tendências, linguagens, estéticas e ideologias da forma mais coerente possível, por entender e evidenciar que o conceito da diversidade dever ser de todos e para todos;
3. Que apesar dessas manifestações se colocarem em tempo impróprio da pré-produção do evento, posto que a surpresa por essa represália, evidentemente, proporcionou um ônus fora do planejamento, torna-se cabível, pelo verdadeiro princípio democrático, respeitar-se as decisões tomadas;
4. Que essa situação implica na substituição dos títulos por outros que também fizeram suas inscrições de modo espontâneo, que estejam em ordem classificatória da Curadoria e que ainda se revelem dispostos a entenderem os valores que são a essência de quem faz arte e cultura - a liberdade de produzir e o sentimento de consideração pelas obras realizadas, na maioria das vezes, com enormes esforços;
5. Que essa adequação da situação à nova grade de programação, por razões técnicas e burocráticas, demanda por um tempo superior ao prazo do período de realização agendado, de tal modo que, pelo dever da prudência que sempre inspirou o Festival, será necessária postergar a execução do evento, cuja nova data será divulgada oportunamente;
6. Que, por fim, destacamos e enaltecemos o papel da Curadoria, a quem foi confiada a árdua missão do processo seletivo dos filmes, justo por ela reconhecer a importância do respeito à pluralidade, desde a criação à difusão, enquanto princípio basilar a ser perseguido, irrevogável e indistintamente, quaisquer que sejam os produtos artístico-culturais.
Recife, 11 de maio de 2017.
Sandra Maria Ramos Bertini Bandeira
Diretora do Cine PE