Tema com potencial inesgotável de comover e indignar o público, o horror do Holocausto virou uma espécie de gênero cinematográfico, responsável por alguns dos melhores e mais memoráveis filmes das últimas décadas. Negação (2016), em cartaz a partir desta semana na Capital, aborda um aspecto ainda pouco explorado do assunto nas telas: a contestação supostamente histórica do extermínio sistemático de judeus e outros grupos pelos nazistas – tese absurda, falaciosa e de rematado antissemitismo, mas que inclui entre seus defensores desde pesquisadores diletantes até acadêmicos. A rumorosa disputa judicial verídica envolvendo um desses chamados negacionistas e uma historiadora do Holocausto é o tema de Negação, longa do diretor inglês Mick Jackson baseado no livro que a professora escreveu sobre o julgamento do qual foi ré.
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A história começa em 1994, quando uma palestra da historiadora norte-americana Deborah Lipstadt (Rachel Weisz) é interrompida por David Irving (Timothy Spall), britânico cujos escritos tentam provar que Adolf Hitler jamais ordenou o genocídio judaico. O historiador arma um verdadeiro circo, acusando a estudiosa de difamá-lo no livro que ela está lançando e desafiando qualquer pessoa da plateia a apresentar-lhe algum documento que comprove a existência do Holocausto. O bate-boca é registrado em vídeo por seguidores de Irving e servirá mais tarde na fundamentação do cerne dramático de Negação: a ação de difamação movida contra Deborah nos tribunais ingleses em 1996. A escolha do palco de sua interpelação pelo negacionista não será gratuita: segundo as leis do Reino Unido, caberia ao acusado demonstrar sua inocência em um caso como aquele, e não ao denunciante apresentar o ônus da prova. A escritora e sua editora, então, contratam um time de primeira linha de advogados britânicos, encabeçado por Anthony Julius (Andrew Scott, o Professor Moriarty da série Sherlock) e Richard Rampton (Tom Wilkinson, de filmes como Conduta de Risco e Selma: Uma Luta pela Igualdade), enquanto Irving dispensa ajuda jurídica e defende-se sozinho – a estratégia é mostrar-se como vítima de um movimento articulado. A pendenga particular e de natureza casuística ganha assim foro espetacular, explorada de maneira sensacionalista pela imprensa: o processo de David Irving contra Deborah Lipstadt acaba colocando em julgamento no tribunal a própria aceitação histórica do Holocausto.
Historiadora escreveu sobre os negacionistas de Trump
Um dos destaques do filme é a excelência do elenco britânico – a própria Rachel Weisz, atriz de Juventude (2015) e A Luz Entre Oceanos (2016), é inglesa –, com destaque para os antagonistas Timothy Spall, excelente no papel do infame negacionista, e Tom Wilkinson. Legítimo "filme de tribunal", Negação ganha atualidade ao discutir essa questão em uma época na qual conceitos como "verdades alternativas" e "pós-verdade" e o embate de crenças religiosas e ideológicas contra fatos históricos ganham relevância assustadora. Deborah Lipstadt escreveu recentemente um artigo sustentando que a presença do presidente Donald Trump dava força aos negacionistas na cúpula do governo. O julgamento de Negação infelizmente parece que ainda não terminou.
Negação
De Mick Jackson
Drama, EUA/Grã-Bretanha, 2016, 111min
Em cartaz no Espaço Itaú e no GNC Moinhos